“Hoje se composta 1% do que se
gera, e se recicla 0,8%. São números muito vergonhosos para o Brasil”,
constata o engenheiro civil Eleusis Di Creddo.
A falta de um destino adequado para o
lixo urbano ainda é um dos principais problemas ambientais do Brasil,
que concentra praticamente toda a produção de lixo dos 5.500 municípios
do país em 4.600 lixões.
De acordo com Eleusis Di Creddo, em entrevista
concedida à IHU On-Line, o “lixão é um crime ambiental”, pois
os resíduos depositados nesse ambiente contaminam o solo, os recursos
hídricos e dão origem ao chorume, um líquido “mais poluidor do que o
esgoto sanitário”. Conselheiro da Associação Brasileira de Resíduos
Sólidos e Limpeza Pública (ABLP), o engenheiro destaca que são
necessários 448 aterros sanitários para acabar com os lixões espalhados
pelo país, como prevê a proposta da Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS), que estima solucionar esse problema ambiental até 2014.
Na avaliação dele, a falta de recursos
públicos impede os municípios de investirem em coleta seletiva. “O
problema principal é a questão de custo. Dos 5.500 municípios, quatro
miil têm menos de 30 mil habitantes. Quer dizer, mais de 90% dos
municípios brasileiros são pequenos e não têm, muitas vezes, nenhum
sistema, nenhum departamento municipal de limpeza pública, não têm uma
pessoa encarregada pelo serviço de limpeza da cidade, pelo tratamento e
disposição do lixo”, informa na entrevista concedida por e-mail.
Segundo ele, “31% dos resíduos que são
encaminhados para aterros poderiam ser reciclados, como papel, papelão,
alumínio, plástico, etc.” Para mudar esse processo, acentua, é preciso
investir na logística reversa, ou seja, a indústria precisa se
responsabilizar pelas embalagens que produz e recolhê-las. “Se a
indústria não remunerar esse trabalho, por mais que as pessoas estejam
conscientes da necessidade da reciclagem, ela nunca se viabilizará nesse
país. Infelizmente tudo se resume a dinheiro. É preciso haver uma
cadeia econômica que sustente a reciclagem no país.”
Eleusis Di Creddo é engenheiro civil, foi professor universitário e atua no segmento de resíduos sólidos há mais de 20 anos.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual a diferença entre aterro sanitário e lixões? Estes são locais adequados para armazenar o lixo?
Eleusis Di Creddo – O
lixão é considerado uma disposição final na natureza completamente
inadequada. O Ministério do Meio Ambiente e os órgãos ambientais
estaduais o definem assim. O lixão nada mais é do que uma disposição do
lixo no solo sem qualquer preocupação ambiental. Então, esse resíduo, ao
ser jogado na natureza, sem nenhuma preocupação, vai propiciar a
contaminação do solo, a contaminação dos recursos hídricos subterrâneos e
também dos recursos hídricos periciais, os rios que estejam próximos
desse local. Além do mais, o lixão se caracteriza pela não cobertura dos
resíduos. Então, os resíduos ficam expostos gerando odor e a
proliferação de vetores com prejuízo para a saúde das pessoas que vivem
ali perto. Além disso, o chorume, que é o líquido que o lixo gera num
lixão, não é tratado, ou seja, esse líquido que é altamente poluidor,
muito mais poluidor do que o esgoto sanitário, pode atingir também os
rios, matar a vida aquática e contaminar o solo. O lixão é um crime
ambiental.
Infelizmente, no Brasil nós ainda temos
4.600 lixões, principalmente na região Norte, na região Nordeste e na
região Centro Oeste. Considerando que o Brasil tem 5.500 municípios, e
4.600 lixões, pode-se dizer que existe quase um lixão por município.
Esta é uma situação muito ruim. Para mudar esse quadro, a Política
Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), publicada em 2010, define 2014 como
uma data para acabar com a disposição irregular desse material.
Aterros sanitários
Os aterros sanitários, ao contrário dos
lixões, são uma obra de engenharia extremamente complexa. São obras que
minimizam todos esses impactos que mencionei. Então, o resíduo não entra
em contato com o solo e não entra em contato com a água. Para isto
existe uma impermeabilização tanto na base como nos taludes desse local.
Esta impermeabilização é dupla, ou seja, existe uma camada de solo
bastante impermeável, de um metro, aliada a uma geomembrana de
polietileno de alta densidade, de pelo menos dois milímetros. Este
sistema impermeabiliza e impede o contato do lixo com o solo e com a
água.
Num aterro sanitário, todo o percolado
gerado é coletado e tratado antes de ser disposto. Existe um tratamento
desse chorume. Num aterro sanitário existe uma drenagem de todo gás que o
lixo gera através de drenos verticais e horizontais e a queima desse
gás. Num aterro sanitário é possível cobrir os resíduos com o solo ou
com uma geomembrana evitando, assim, a presença de vetores e o mau odor.
Num aterro sanitário também é possível disciplinar o fluxo de água,
impedindo a erosão nos taludes. Portanto, é uma obra de engenharia
extremamente complexa e, por isso mesmo, é uma obra cara para a maioria
dos municípios brasileiros. Isto explica por que existem tantos lixões
no país. Na maioria das vezes, os municípios infelizmente são pequenos,
não têm recursos e o lixão praticamente não tem custo nenhum para as
prefeituras, ao passo que um bom aterro sanitário é uma obra de
engenharia complexa e, portanto, exige custos, exige um desembolso da
prefeitura muito maior. São poucas, infelizmente, as prefeituras que têm
nos cofres municipais condição de fazer frente a essa despesa.
IHU On-Line – E os municípios dispõem de espaço físico para construir esses aterros?
Eleusis Di Creddo – Sem
dúvida alguma. A não ser nas grandes regiões metropolitanas, que é o
caso de São Paulo, na maioria dos Estados brasileiros existem áreas
ainda plenamente utilizáveis para um aterro sanitário. Isto não acontece
no Japão, na Dinamarca, na Holanda e em outros países que têm pequena
extensão territorial e não podem utilizar o aterro como solução. O
Brasil, por ser um país continental, pode utilizar o aterro, como os
Estados Unidos. Nos Estados Unidos, hoje, 50% dos resíduos gerados são
dispostos em aterros sanitários, porque também é um país continental,
como o Brasil.
IHU On-Line – Uma das propostas
da Política Nacional de Resíduos Sólidos é que as prefeituras passem a
ser responsáveis pela compostagem do lixo. Quantos municípios
brasileiros possuem aterros sanitários? Como este processo está sendo
desenvolvido?
Eleusis Di Creddo – Praticamente
não existe reciclagem nem compostagem no país. Se analisarmos os
números do Panorama do Saneamento Básico do ano 2000 – que é uma
pesquisa que o IBGE faz a pedido do governo – e compararmos aos números
de 2010, perceberemos que houve uma melhora na disposição final. Quer
dizer, já há um número significativo de bons aterros no Brasil, mas em
termos de reciclagem e compostagem, pioramos em relação a 2000.
Hoje se composta 1% do que se gera, e se
recicla 0,8%. São números muito vergonhosos para o Brasil, se olharmos
para países mais desenvolvidos. A Alemanha recicla 40% e composta 20% de
tudo o que gera. Infelizmente o Brasil ainda tem um longo caminho a
percorrer, mas a PNRS está plenamente sintonizada com o melhor que
existe de gerenciamento de resíduos.
IHU On-Line – Então será difícil atingir a meta da PNRS, que quer acabar com os lixões até 2014?
Eleusis Di Creddo – Não,
porque as coisas são desassociadas. A disposição final é uma meta que
está aí, que é possível de atender. Na opinião da nossa Associação,
devemos deixar a reciclagem e a compostagem para depois de 2014, porque
nós achamos que o aterro sanitário bem executado é um elo fundamental da
cadeia. Se nós conseguirmos resolver o problema da disposição final, aí
nós podemos aprimorar o sistema, melhorando a reciclagem e a
compostagem. Não adianta nada melhorar a reciclagem e a compostagem, se
continuarmos com os nossos lixões. Então, a proposta é que o governo
utilize os recursos do PAC2 disponíveis, algo em torno de R$ 1,5
bilhões, para erradicar os lixões com a construção de novos aterros
sanitários e, depois, investir em reciclagem e compostagem.
IHU On-Line – Em que consiste a
proposta da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública
(ABLP) para a criação de 448 aterros sanitários no país? Esta quantidade
aterros sanitários será suficiente para acabar com os lixões do Brasil?
Eleusis Di Creddo – Nós
fizemos uma pesquisa nos Estados do país, analisando as áreas em que,
hoje, não existem bons aterros. Para essas áreas, que chamamos de
desatendidas de um sistema decente, definimos um bom aterro regional que
abrangesse todos os municípios num raio de 60 quilômetros. Todos os
municípios neste raio levariam o lixo para um único ponto, que seria o
aterro regional. Sendo assim, para resolver o problema do país, seriam
necessários 448 novos aterros regionais. A tendência depois é melhorar
cada vez mais esse número.
IHU On-Line – Além da dificuldade financeira, por quais motivos os municípios têm dificuldade de aderir à coleta seletiva?
Eleusis Di Creddo – O
problema principal é a questão de custo. Nós temos 5.500 municípios e
quatro mil têm menos de 30 mil habitantes. Quer dizer, mais de 90% dos
municípios brasileiros são pequenos e não têm, muitas vezes, nenhum
sistema, nenhum departamento municipal de limpeza pública, não têm uma
pessoa encarregada do serviço de limpeza da cidade, do tratamento e da
disposição do lixo. São municípios que não têm recursos para fazer nada.
Infelizmente esta é a situação. Por essa razão, nós advogamos não
resolver o problema por município e, sim, por agrupamento de municípios,
por consórcios regionais, no nosso caso, 448 consórcios regionais.
IHU On-Line – Como dar conta do
lixo produzido numa época em que a obsolescência tecnológica e o consumo
de produtos embalados imperam e, obviamente, se descartam mais papel,
plástico e embalagens de modo geral?
Eleusis Di Creddo – Nós
temos um longo processo de educação ambiental a ser implementado no
país. Dos resíduos que são encaminhados para aterros, 31% poderiam ser
reciclados, como papel, papelão, alumínio, plástico, etc. Infelizmente
isto está indo para o aterro por dois motivos: falta de uma
conscientização, mas também porque o produto reciclado ainda não tem
valor comercial, a não ser no caso da lata de alumínio. O Brasil é
campeão mundial de reciclagem de lata de alumínio, porque a indústria dá
valor a esse produto, compra essa lata e a reinsere na cadeia
produtiva. Isto precisa ser feito para os outros produtos também, para o
papel, papelão, plástico, vidro. É o que chamamos de logística reversa,
que também é um pilar da PNRS. A nossa associação está participando, em
Brasília, das reuniões de logística reversa de embalagens, e a
indústria vai propor ao governo um sistema em que ela se encarregará de
recolher as embalagens que reproduz. A indústria de vidro recolherá os
vidros, a indústria de PET recolherá PET e a municipalidade pode ajudar
essas indústrias com o sistema de coleta seletiva da cidade, sendo
remunerada pela indústria. Se a indústria não remunerar esse trabalho,
por mais que as pessoas estejam conscientes da necessidade da
reciclagem, ela nunca se viabilizará nesse país. Infelizmente tudo se
resume a dinheiro. É preciso haver uma cadeia econômica que sustente a
reciclagem no país. A cadeia ainda não está fechada. Para fechá-la, é
preciso que a indústria se comprometa a recolher de volta tudo aquilo
que fabricou e dispôs na natureza de maneira errada.
IHU On-Line – Então a educação ambiental passa por uma perspectiva econômica também?
Eleusis Di Creddo – Sem
dúvida alguma. A indústria precisa dar valor a esse produto para criar
esse comércio. Hoje, infelizmente, a figura do catador é vista como uma
atividade quase subumana, puxando carrinho na rua como se fosse um
animal, sem qualquer lei trabalhista que o proteja e o sustente. Quando a
indústria der valor ao reciclado, esse catador pode ser um empresário
da reciclagem e ter uma vida digna. Para isto é fundamental a logística
reversa, a indústria precisa estar disposta a comprar esse produto de
volta e reinserir esse produto na cadeia produtiva.
IHU On-Line – É possível perceber melhorias no Brasil, um ano e meio após a aprovação da PNRS? Quais os desafios nesse sentido?
Eleusis Di Creddo – Houve
um retrocesso na reciclagem e na compostagem. Porém, em termos de
aterro, o Brasil melhorou muito, porque existiam muito mais lixões no
passado e muito menos aterros sanitários do que existe hoje. Atualmente,
as grandes capitais e as grandes cidades do país têm aterros sanitários
dignos do melhor padrão norte-americano e europeu. Não ficamos nada a
dever aos melhores aterros sanitários do mundo, mas isto somente em
grandes cidades, com população expressiva. Houve um avanço tecnológico
muito grande em questão da disposição final, porém não para a totalidade
dos municípios, apenas para alguns. O desafio da PNRS é viabilizar uma
solução para todos os municípios do país.
IHU On-Line – Como o senhor
avalia a polêmica em torno da não distribuição de sacolas plásticas em
alguns supermercados? Esta medida pode contribuir para diminuir a
produção de lixo plástico?
Eleusis Di Creddo – Muitos
supermercados optaram por colocar as compras em caixas de papelão, nas
quais muitas vezes vieram detergentes e demais produtos de limpeza, que
entrarão em contato com frutas e outros alimentos. Quer dizer, será que o
problema não piorou um pouco em termos ambientais? É importante se
tomar medidas como essa, desde que se tenham feito medidas preventivas. O
Brasil não estava preparado para uma radicalização assim, tão rápida,
sem algumas medidas preparatórias para isso. O consumo do saco plástico
vai continuar crescente, pois quem não usa o saco plástico do mercado
vai comprá-lo. Então, essa questão vai continuar existindo. O que nós
defendemos é a troca do plástico comum por um que seja biodegradável.
Mas isso também não foi feito. Quer dizer, houve uma mudança brusca de
postura sem que tivesse um debate técnico mais profundo.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Eleusis Di Creddo – Além
da educação ambiental e da participação da sociedade, é fundamental que
o munícipe entenda que a coleta de lixo, seu tratamento e sua
disposição final, é um custo para prefeitura e, portanto, tem que ser
suportado pelos habitantes daquela cidade por meio de uma taxa
específica. Nós pagamos pela água que consumimos, pela energia elétrica
que usamos, mas, somente 11% dos municípios do Brasil cobram dos
munícipes pela coleta, tratamento e disposição do lixo. Talvez isto
explique o motivo de o país estar em uma situação tão ruim.
Sei que não é agradável um prefeito
dizer para a população que vai instituir uma taxa, mas sem esse recurso
para melhorar o gerenciamento do sistema, nós não vamos progredir. É
dessa forma que todo país do mundo, avançado na questão de
gerenciamento, resolveu seu problema. Vivemos num grande condomínio e
temos que repartir as despesas. É importante a população estar ciente
que tem que dar sua cota de participação, inclusive monetária, nesse
processo.
Fonte: Envolverde
Um comentário:
Em sua gestão na prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy criou a taxa do lixo.
Isso foi péssimo para ela que não se reelegeu e o então candidato a prefeito, José Serra se comprometeu(e cumpriu) que a taxa seria extinta.
O ser humano que vive nos grandes centros urbanos produz lixo em excesso já que boa parte dos produtos que consome vem em embalagens descartáveis.
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