Pietro Erber* – Em boa
hora, o governo procura complementar a Lei 9478/1997, no tocante à
política e à fiscalização das atividades referentes ao abastecimento e
utilização de biocombustíveis, com vistas, inclusive, aos benefícios
ambientais decorrentes do seu emprego em vez de combustíveis fósseis.
Entretanto, a Lei 12490/2011, elaborada com essa finalidade, deixa a
desejar, pela sua parcialidade e falta de clareza de algumas definições.
Embora se destine, primordialmente, a
biocombustíveis, a Lei 12490/2011 só contempla o etanol e o biodiesel.
Omite os derivados da biomassa florestal, que constituíram mais de 10%
de toda a energia primária utilizada no país em 2010 (BEN 2011,
EPE/MME), a partir dos quais é obtido o carvão vegetal, responsável por
parte expressiva da produção de ferro gusa nacional. Omite também os
densificados de restos de madeira, cana e outras gramíneas, cujo consumo
local e exportação vêm aumentando a taxas particularmente elevadas.
Poderia ter sido direcionada apenas ao etanol e ao biodiesel, evitando a
impressão de que o carvão vegetal e outros biocombustíveis tenham sido
omitidos.
A Lei complementa a Política Energética Nacional
definida na Lei 9478/1997, com o objetivo de garantir o fornecimento de
biocombustíveis em todo o território nacional (1). Ora, será que tal
determinação se refere a qualquer biocombustível comercialmente
relevante? E faz sentido econômico? Afinal, transportar etanol ou
biodiesel (sem falar de lenha ou de carvão vegetal) a alguns pontos do
país pode exigir tal consumo de derivados de petróleo que anule os
benefícios ambientais e econômicos do emprego local dos biocombustíveis
transportados.
A Lei define biocombustíveis (2) de
forma que merece dois reparos: nem sempre os biocombustíveis são
renováveis: a extração de lenha em algumas regiões tem sido feita de
forma predatória, impedindo sua renovação. Caso típico é o da região de
Araripina, no oeste de Pernambuco, onde a produção gesseira encontra-se à
beira de colapso, por falta do combustível tradicionalmente utilizado.
Outro aspecto dessa definição, de caráter burocrático, é que limita os
biocombustíveis àqueles classificados pela ANP.
A função desta Agência deve ser a
normatização e fiscalização da qualidade desses combustíveis, bem como a
regulamentação de sua comercialização, e não de estabelecer o que é ou
não é biocombustível. Caberia assim à ANP verificar quais
biocombustíveis estão sendo comercializados, em quantidades
economicamente significativas, para então regulamentá-los, possivelmente
por determinação do CNPE. Entende-se que seria melhor adotar uma
definição mais geral, dispensando exemplos, tal como: biocombustíveis
são produtos derivados da biomassa produzida recentemente,
economicamente utilizáveis para a obtenção de energia.
Parece desmedida a ingerência
governamental, em setor exclusivamente constituído pela iniciativa
privada, como o sucroalcooleiro, manter a atribuição do CNPE, prevista
na Lei 9478/1997 (3) de definir a estratégia e política de
desenvolvimento tecnológico da indústria de biocombustíveis, bem como
de sua cadeia de suprimento. Todavia, é desejável que se atribua à ANP a
função de fiscalizar e atestar que todo e qualquer combustível
comercializado no país ou exportado atenda às especificações
estabelecidas por essa Agência.
A definição de Indústria de
Biocombustíveis (4) inclui uma série de atividades referentes a seu
transporte e comercialização. Não se entende porque a Lei denomina
indústria o que constitui um serviço, como o transporte.
A Lei 12490/2011 define etanol (5) de
forma pouco objetiva, como uma substância derivada da biomassa renovável
e cujo principal componente é o álcool etílico (que é seu sinônimo) e
indica sua possível utilização. Entretanto, não interessa ao usuário
como é produzido o etanol e sim o que é esse combustível, quais são suas
características físicas e químicas. Pode-se definí-lo como combustível
líquido (em condições normais de pressão e temperatura) que, quando
quimicamente puro, é constituído por moléculas de um único
hidrocarboneto (C2H5OH). O etanol é produzido e comercializado na forma
anidra (contendo até X% de água) ou hidratada (contendo até Z% de água)
cabendo à ANP a regulamentação dos parâmetros X e Z.
A referida Lei exige a manutenção de
estoques mínimos de combustíveis (6). É importante que, na
regulamentação dessa Lei, se defina qual será o critério de formação
desses estoques, como serão geridos, quem será responsável pela sua
gestão, se serão estoques de cada indústria ou de acesso comum, mediante
pagamento, o quanto que uma indústria tenha estocado poderá ser
computado para efeito de um contrato de venda, dentre outras medidas que
visem aumentar a segurança do fornecimento.
A Lei também exige garantias e
comprovação de capacidade para atendimento ao mercado de combustíveis e
biocombustíveis, mediante a apresentação de, entre outros mecanismos,
contratos de fornecimento entre os agentes regulados” (7). Observa-se
que, diferentemente da energia elétrica, que pode ser produzida a partir
de qualquer fonte primária e conta com parque gerador bastante
diversificado cuja capacidade é dimensionada com base em cenários
particularmente desfavoráveis, o fornecimento de etanol, bem como de
outros biocombustíveis, depende mais fortemente de condições climáticas,
além de sujeitos a outros fatores pouco previsíveis, como pragas, por
serem produtos de origem agrícola.
A regulamentação da Lei 12490/2011
deverá considerar algumas questões relacionadas à referida exigência de
garantia de fornecimento, tais como:
# Será que os compradores de etanol, no
país, firmarão contratos de compra com alcance temporal compatível com
os compromissos que a indústria sucroalcooleira terá de assumir para
proporcionar as garantias exigidas nessa Lei?
# Para outros biocombustíveis, quais critérios poderão ser os mesmos que foram concebidos para serem aplicados ao etanol e quais serão específicos?
# Quanto à capacidade de atendimento, esta será avaliada individualmente ou diversas unidades industriais poderão se agrupar para esse fim?
# Para outros biocombustíveis, quais critérios poderão ser os mesmos que foram concebidos para serem aplicados ao etanol e quais serão específicos?
# Quanto à capacidade de atendimento, esta será avaliada individualmente ou diversas unidades industriais poderão se agrupar para esse fim?
As exigências de formação de estoques,
de garantia de fornecimento e de comprovação da capacidade de
atendimento ao mercado são da maior relevância, dado seu alcance
econômico e financeiro e estímulo à sua demanda. Requerem, portanto,
maior elaboração, dado que poderão provocar importantes modificações na
comercialização do etanol e do biodiesel, com maior interação entre
produtores, comercializadores e, eventualmente, compradores, caso a
regulamentação estenda a estes últimos a exigência de contratação de
suas compras.
A exigência de comprometimento dos
compradores, que parece ser uma contrapartida justa e indispensável,
poderá estimular novos investimentos na produção desse combustível.
Quanto ao seu preço, é provável que se mantenha mais estável, embora em
nível mais elevado.
A nova Lei estabelece que A regulação e a
fiscalização por parte da ANP abrangem também as atividades de
produção, armazenagem, estocagem, comercialização, distribuição,
revenda, importação e exportação de produtos que possam ser usados,
direta ou indiretamente, para adulterar ou alterar a qualidade de
combustíveis (8). Observa-se que a Lei poderá estar sobrecarregando a
ANP com o controle de produtos que só interessam aos combustíveis
enquanto elementos passíveis de serem usados para adulterá-los. Em
particular, vale notar que a substância mais comumente usada para
adulterar os combustíveis líquidos é a água, cuja obtenção e suprimento
são controlados pela ANA (Agência Nacional de Águas) e por órgãos
estaduais.
Entende-se que a ANP, como responsável
pela regulamentação e fiscalização da qualidade dos combustíveis possa
impedir que produtos adulterados sejam comercializados, sem para isso
ter de controlar múltiplos produtos que, usados indevidamente, venham a
prejudicar a qualidade e os usuários dos combustíveis.
Entende-se que a política energética
referente aos biocombustíveis não deva ser desvinculada daquela
destinada aos combustíveis fósseis e vice versa, particularmente em se
tratando de etanol e biodiesel. Dado que o etanol e o biodiesel podem
ser integralmente substituídos por derivados de petróleo, enquanto a
recíproca, por enquanto, não é verdadeira, sua função será complementar,
embora relevante. No caso do etanol, dotado de propriedades mais
favoráveis do que a gasolina para proporcionar maior eficiência energética em
sua utilização, caberia estudar a oportunidade de utilizá-lo em motores
especialmente projetados para seu emprego e não apenas adaptados.
É importante que os densificados de
biomassa (pellets e briquetes), que vêm substituindo parcelas cada vez
mais expressivas de óleo combustível, gasóleo e carvão mineral sejam
objeto de regulamentação de suas características, de modo a propiciar o
desenvolvimento de seu mercado interno e de sua competitividade no
exterior. Por fim, é desejável que a regulamentação da Lei 12.490/2011
contemple o carvão vegetal, importante insumo da indústria guseira, dado
que parte da produção deste biocombustível ainda é baseada no
desmatamento, utilizando técnicas de carvoejamento altamente
ineficientes.
(1) Artigo 1°, que complementa o Artigo 1° da Lei 9478/1997, com o inciso XIII.
(2) Artigo 1º, que modifica o inciso V do Artigo 2° da Lei 9478/1997.
(3) Artigo 1º, que modifica o Artigo 2° da Lei 9478/1997 (inciso IX).
(4) Novo inciso XXVIII do Artigo 6° da Lei 9478/1997.
(5) Novo inciso XXX do Artigo 6° da Lei 9478/1997.
(6) Artigo 5° da Lei 12490/2011: altera o Artigo 8° da Lei 9478/1997 (ver inciso I).
(7) Artigo 5° da Lei 12490/2011: altera o Artigo 8° da Lei 9478/1997 (ver inciso II)
(8) Artigo 3° da Lei 12490/2011: altera o Artigo 1° da Lei 9847/1999
(2) Artigo 1º, que modifica o inciso V do Artigo 2° da Lei 9478/1997.
(3) Artigo 1º, que modifica o Artigo 2° da Lei 9478/1997 (inciso IX).
(4) Novo inciso XXVIII do Artigo 6° da Lei 9478/1997.
(5) Novo inciso XXX do Artigo 6° da Lei 9478/1997.
(6) Artigo 5° da Lei 12490/2011: altera o Artigo 8° da Lei 9478/1997 (ver inciso I).
(7) Artigo 5° da Lei 12490/2011: altera o Artigo 8° da Lei 9478/1997 (ver inciso II)
(8) Artigo 3° da Lei 12490/2011: altera o Artigo 1° da Lei 9847/1999
* Pietro Erber é diretor do
Instituto Nacional de Eficiência Energética (INEE) e diretor-presidente
da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE)
Até amanhã, amig@s!
Fonte: Ambiente Energia
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