A agenda da Rio+20 está indo no
caminho errado. Quer discutir o pilar econômico, dar prioridade à
questão social e tentar conciliá-los com a sustentabilidade ambiental.
Ora, o pilar fraco, hoje, é o ambiental. É no clima e na biodiversidade
que temos tido as maiores perdas, em todo o mundo, não no crescimento
econômico ou no desenvolvimento social.
Não são poucas as vozes sensatas
alertando para os danos de esvaziar o tema ambiental na Rio+20, de
construir uma agenda alienada das evidências científicas, de querer
revestir a visão convencional de crescimento econômico com uma capa
social envolta por uma faixa ambiental decorativa. Mas, como Barbara
Tuchman mostrou já faz algum tempo, os governos são capazes de liderar a
marcha da insensatez, querendo persuadir os cidadãos de que estão no
caminho certo. O desafio que temos pela frente e deveria ser
intensamente discutido na Rio+20 é tão claro, que só muita falta de
visão pode apequenar a Cúpula da Terra.
Há crises econômicas? Há. Na grande
maioria determinadas por má gestão macro e microeconômica, regulação
fraca, visões de curtíssimo prazo do processo econômico. Há crises
sociais? Há. Na grande maioria, hoje, causadas por má governança e pelo
impacto de eventos climáticos e naturais extremos sobre as populações
mais despossuídas. Como está acontecendo, agora, na região do Sahel. Há
desigualdades? Há. Na sua grande maioria determinadas pela discriminação
de gênero, etnias e persuasões religiosas. Hoje, no mundo mais pobre, o
maior vetor de desigualdade é o rebaixamento social das mulheres, o
analfabetismo feminino e o abuso de adultas, jovens e crianças. Há
desigualdades sociais clássicas, em todos os países, mas as classes
médias crescem em todos eles, principalmente nos países em
desenvolvimento e nas economias emergentes. A África, que até pouco
tempo atrás era o continente esquecido, tem um grupo de mais de 20
países crescendo a taxas mais elevadas que as da Ásia. Mas é, na maioria
dos casos, o mesmo crescimento predatório que marcou o crescimento
econômico do Século 20.
Se examinarmos o desenvolvimento no
Século 20, em escala global, faremos uma constatação que beira a
obviedade: houve ganhos econômicos, científicos e tecnológicos
extraordinários. Houve ganhos sociais expressivos. Mas só houve perdas
ambientais gigantescas. Os ganhos econômicos e sociais se fizeram com
perdas ambientais
Portanto, nessa tese dos “três pilares” –
o econômico, o social e o ambiental –, com a qual se quer estruturar o
processo de negociação e decisão da Rio+20, o único pilar que tem sinal
negativo é o ambiental. É claro que precisamos ganhos sociais. Ainda não
erradicamos a pobreza nem local, nem globalmente. Mas ela diminuiu
consideravelmente.
É preciso uma transformação estrutural
das economias para que se inverta o sinal do processo ambiental. Não é
apenas uma questão de “conciliar” ou “equilibrar” os pilares. É uma
questão de reorientar o padrão econômico e o processo de desenvolvimento
humano, para que ambos avancem promovendo ganhos ambientais. Trata-se
de mudar o sinal de um dos termos da equação do desenvolvimento, ao
mesmo tempo em que se procede à exponenciação do termo social.
Significa colocar o pilar ambiental como
o vetor principal do processo de desenvolvimento orientado para o
máximo ganho social possível. Este é, também, o novo conceito de
competitividade. Como Miriam Leitão mostrou em coluna recente, o maior
especialista em competitividade, Michael Porter, em artigo recente
escrito com Jan Rivkin para edição especial da Harvard Business Review,
redefiniu o conceito, que antes identificava um processo de agressiva
busca de vantagens, em um jogo de soma zero. Ou seja, as empresas se
tornavam “saradas” (magras) e “más”, buscando conquistar doméstica e
globalmente espaço cada vez maior na sua cadeia de produção e no
mercado. Para tanto, desempregavam, terceirizavam e davam maior poder ao
CFO, ao gestor financeiro. Agora, competitividade é vista como “a
habilidade de as empresas competirem com sucesso na economia global, ao
mesmo tempo em que criam as condições para um alto – e crescente – nível
de vida para a média da população”. Neste conceito, Porter articula
corretamente o econômico ao social, mas deixa inexplicavelmente de lado a
sustentabilidade. Não haverá competitividade em cadeias não
sustentáveis.
Mas Porter sabe disso. É que ele inclui a
questão ambiental no conjunto de “necessidades sociais” que a
competitividade tem que satisfazer. Não gosto da solução, mas pelo menos
o “social”, em Porter, absorve o “ambiental”, não o exclui. Em outro
artigo, também na Harvard Business Review, escrito com Mark
Kramer, ele diz que uma grande parte do problema está nas próprias
empresas, prisioneiras de uma perspectiva ultrapassada e estreita de
criação de valor, que “otimiza o desempenho financeiro de curto prazo”,
desprezando as necessidades do consumidor e ignorando as influências
mais amplas que determinam o sucesso de longo prazo. “De que outra
maneira poderiam desconsiderar o bem-estar de seus clientes, o
esgotamento dos recursos naturais, a viabilidade de fornecedores-chave
ou as dificuldades econômicas das comunidades nas quais produzem e
vendem?”
As necessidades sociais, argumentam
Porter e Kramer, são enormes: saúde, moradia de melhor qualidade, boa
nutrição, auxílio para a velhice, segurança financeira, menor dano
ambiental. E estão entre as maiores necessidades ainda não satisfeitas
na economia global. Sem contribuir para a satisfação dessas necessidades
“socioambientais”, não há produtividade ou competitividade duráveis. É o
mesmo que dizer que não há mais possibilidade de ganhar mais
competitividade e produtividade sem ganhos sociais e ambientais. E
explicam por que: “a cadeia de valor de uma empresa afeta
inevitavelmente – e é afetada – por várias questões sociais, como o uso
de recursos naturais e água, saúde e segurança, condições de trabalho e
tratamento igualitário no local de trabalho. Surgem oportunidades para
gerar valor compartilhado porque os problemas sociais podem criar custos
econômicos na cadeia de valor das empresas. Muitas dessas chamadas
externalidades de fato infligem custos internos às empresas, mesmo na
ausência de regulação ou taxação de recursos”.
O mesmo pode ser dito dos governos que
buscam ganhos macroeconômicos de curto prazo e não têm visão de longo
prazo. Mas nem a produtividade, nem a competitividade, nem o crescimento
podem ser sustentados a longo prazo, se não houver investimento
significativo em sustentabilidade ambiental e no bem-estar durável da
população. Sustentabilidade implica gestão responsável dos recursos
naturais, redução drástica das emissões de gases-estufa, mudança do
padrão energético, gestão integral de resíduos, mudanças estruturais nos
padrões de produção, preservação integral do patrimônio natural
remanescente, recuperação da cobertura vegetal e da qualidade dos
mananciais, aquíferos e cursos de água. Bem-estar durável pressupõe
melhoras significativas em educação, saúde e nutrição.
O que se precisa não é uma adequação da
tese dos três pilares à visão convencional de desenvolvimento econômico,
como querem os formuladores da agenda da Rio+20. Trata-se de inverter a
equação, buscando mudanças estruturais que gerem ganhos ambientais e
sociais. Esse processo de geração de valor ambiental e social promove
ganhos econômicos, de competitividade e produtividade, tanto para os
países, como para as empresas. A nova teoria da competitividade abandona
a visão da competição como soma zero e passa a ver a competitividade
como um processo de ganhos recíprocos: quanto mais os países e as
pessoas melhoram em educação, renda e sustentabilidade, maiores as
oportunidades de trocas econômicas com vantagens para todos e maior
prosperidade. Significa que a noção de competitividade está sendo
reconciliada a visões de desenvolvimento sustentável e economia verde.
Falta pôr em prática essa visão no macro e no micro.
Não há outro caminho. O modelo
convencional, mesmo melhorado, levará ao colapso econômico e social no
médio para longo prazo, com perdas muito mais severas para os mais
pobres, porque nos levará aos limites extremos do esgotamento dos
recursos naturais e de mudança climática. Mas este não é um destino
apocalíptico inexorável, porque temos escolha. Existe um modelo
alternativo que permite realizar em simultâneo necessidades econômicas,
sociais e ambientais. Viveremos a tragédia somente se escolhermos a
tragédia. E escolher a tragédia é fazer o que estão fazendo nas
negociações da agenda da Rio+20 e nas negociações sobre mudança
climática.
Meu comentário na CBN está aqui.
Autor: Sérgio Abranches
Até amanhã,amig@s!
Até amanhã,amig@s!
Fonte: * Publicado originalmente no site Ecopolítica.
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