Há meia dúzia de anos, quando o autor
destas linhas preparava para a TV Cultura documentário sobre a
biodiversidade no município de São Paulo, especialistas em clima na
Universidade de São Paulo (USP) e na Secretaria do Verde e do Meio
Ambiente chamaram a atenção para a diferença de temperatura observável
simultaneamente entre as regiões mais altas (Serra do Mar, Cantareira) e
as áreas mais industrializadas e com trânsito mais intenso (Mooca,
Brás), que podia chegar a seis graus Celsius.
Isso levava a que se
formassem ilhas de calor nas áreas mais quentes e para ali fossem
atraídas as chuvas mais fortes (que seriam mais benéficas nas regiões de
nascentes); também ocorria uma concentração das chuvas nos dias de mais
movimento, durante a semana (quando eram mais problemáticas), e menos
intensas nos fins de semana.
Passados seis anos, o jornal O Estado de S.Paulo publicou
(26/3) pesquisa da Unesp, do Laboratório Goddard (da Nasa) e outras
instituições mostrando que hoje essa diferença de temperatura entre
áreas como Itaim Paulista e Penha, por exemplo, comparadas com áreas
mais arborizadas, já pode chegar a 14 graus Celsius – por causa da
escassez de árvores (que influem na temperatura e na umidade) e excesso
de área construída (aumentando as ilhas de calor).
Não é problema só nosso. Cientistas reunidos em Londres mostraram (Reuters,
28/3) que, em 20 anos, a expansão urbana que vai ocorrer no mundo
ocupará uma área equivalente à da França, Alemanha e Espanha juntas.
Será 1,5 milhão de quilômetros quadrados (mil municípios como São
Paulo). Para essa expansão contribui decisivamente o acelerado processo
de expansão urbana no mundo, que a cada semana absorve a maior parte das
pessoas que nascem e das que emigram. Por isso, a população urbana de
hoje (3,5 bilhões) atingirá 6,3 bilhões em 2050. E as cidades emitirão
mais do que os atuais 70% do carbono lançado na atmosfera. Não
surpreende, assim, que o ex-secretário-geral da Convenção do Clima, Yvo
de Boer, diga que conter o aumento da temperatura em dois graus Celsius
até 2050 já não é possível – ainda mais que os países industrializados
postergaram para 2015 um acordo sobre emissões que só entrará em vigor
em 2020.
Esse panorama leva a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) a alertar sobre a
possibilidade de um “colapso ambiental”, já que em quatro décadas virão
de combustíveis fósseis 85% do aumento no consumo de energia (que será
de 80%), transformando a poluição do ar no maior problema mundial de
saúde pública. E outras instituições a advertir (O Globo, 23/3)
que os impactos do clima nos oceanos atingirão US$ 2 trilhões até o fim
do século. O consumo de recursos extraídos da superfície terrestre, que
já se multiplicou por oito durante o Século 20 e chega a 60 bilhões de
toneladas anuais (Ricardo Abramovay, em Eco 21,
fevereiro/2012), é insustentável. Como é insustentável o uso anual de
nove trilhões de metros cúbicos de água, segundo a Universidade de
Twente, na Holanda (Estado de S.Paulo, 16/3).
Os dados sobre a expansão urbana e o
aumento da temperatura na capital paulista, mencionados no início deste
texto, evidenciam, mais uma vez, a urgência de macropolíticas para as
metrópoles brasileiras, que se enganam a si mesmas anunciando ações
pontuais que não alteram o cerne dos problema, não enfrentam
decididamente a questão apontada pelo professor Vinicius M. Netto, da
Universidade Federal Fluminense, em entrevista ao cadernoAliás do jornal O Estado de S.Paulo (5/12/2011), já comentada neste espaço: a exaustão das estruturas e infraestruturas urbanas, com todos os riscos que implica.
É penoso insistir e insistir nessa temática ao longo dos 15 anos que este escriba ocupa espaço neste jornal (O Estado de S.Paulo)
–, e já desde o início da década de 1980 em outros espaços. Mas que se
vai fazer diante do agravamento do quadro, ao ouvir dos respeitados
cientistas ganhadores do Prêmio Nobel Alternativo de Meio Ambiente que
“o atual sistema está falido”? Ouvir da OCDE que os atuais formatos são
insustentáveis? E, apesar disso, testemunhar as administrações públicas
anunciarem, em termos de triunfo, de conquista, que a frota de 37
milhões de veículos que se amontoam nas ruas das nossas cidades chegará a
70 milhões em 2020. Não basta o estudo da Escola Politécnica da USP
advertindo que 25% da área construída na cidade de São Paulo já se
destina a garagens? É preciso relembrar a análise da Associação Nacional
de Transportes Públicos segundo a qual essas garagens, somadas ao
espaço de ruas, praças, etc., chegam a mais de 50% do espaço urbano?
Para equipamentos que, em média, permanecem ociosos mais de 80% do
tempo? Ou recordar outro estudo, mencionado aqui, segundo o qual as duas
horas médias perdidas a cada dia nos deslocamentos por cinco milhões de
pessoas na cidade de São Paulo, multiplicadas pelo valor médio da hora
de trabalho, gerariam – se fosse possível a conversão – uma soma
superior a R$ 30 bilhões anuais? Suficiente para, em uma década, dotar
toda a cidade de linhas de metrô?
Muitas vezes foram mencionadas aqui
soluções adotadas em outras partes do mundo, sem necessidade de
radicalismos – criação de pedágios urbanos em áreas de maior trânsito e
de espaços exclusivos para o transporte coletivo motorizado (dobrando
sua velocidade, como em Londres), necessidade de tirar de circulação um
veículo antigo para licenciar um novo. Muitos caminhos já presentes em
cidades europeias e asiáticas, de dimensões e com problemas menores que
os paulistanos.
Aproxima-se a hora das eleições
municipais. O tema central para elas não pode ser outro senão os
megaproblemas municipais e da região metropolitana. Não se pode continua
no ramerrão que a nada conduz fora do atendimento da pauta imposta por
executores de grandes obras, financiadores de campanhas eleitorais. Não
são eles que enfrentarão os diagnósticos assustadores que vêm de toda
parte.
*Washington Novaes é jornalista.
Até amanhã, amig@s!
Fonte: Envolverde
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