Afinal, a ONU divulgou, em 19 páginas,
seu documento preliminar sobre a conferência mundial Rio+20, a
realizar-se em junho, no Rio de Janeiro.
O texto O futuro que queremos está
repleto de boas intenções, mas quase vazio de meios concretos,
específicos, para a realização – reforçando os temores de tantos
estudiosos, muitos deles já mencionados neste espaço, de que a
conferência venha a ser um malogro, ou apenas um espaço para palavras,
sem consequências práticas.
O documento reafirma “a determinação de
livrar a humanidade da fome”, por meio da “erradicação de todas as
formas de pobreza”. Assume também o compromisso de “lutar para que as
sociedades sejam equitativas e inclusivas”, de modo a atingir
“estabilidade econômica e crescimento que beneficie todos”. Também
reitera o desejo de atingir, em 2015, os Objetivos do Milênio, que
incluem essa erradicação da pobreza, universalização do saneamento
básico (do qual está excluída 40% da humanidade), renda mínima para
todos (hoje, 40% vive abaixo da “linha da pobreza”). E que os países
industrializados cumpram o compromisso assumido na Rio 92 de ampliar de
0,37% de seu Produto Interno Bruto, para 0,7%, a ajuda aos países em
desenvolvimento, para que se atinjam os objetivos (hoje, a ajuda é de
0,3%, inferior à de 20 anos atrás e pouquíssimos países cumpriram o que
assumiram).
Complicadíssimo. O próprio documento
reconhece que hoje nada menos de 1,4 bilhão de pessoas vivem na pobreza;
que 1,6 bilhão são subnutridas, sob a ameaça de pandemias e epidemias
“onipresentes”, que o “desenvolvimento insustentável” agravou o estresse
na área dos recursos naturais. Por isso tudo e muito mais, diz, o
desenvolvimento sustentável é um “objetivo distante” – e a “governança
global” dessa sustentabilidade é exatamente um dos temas centrais da
conferência, junto com a “economia verde”. Ainda mais que a ONU
pressupõe, para chegar a esses objetivos, que haja “participação da
sociedade nas decisões”, que, por sua vez, depende de “acesso à
informação”. Pressupõe até a inclusão, nas estratégias, do que está
escrito na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. Da mesma forma,
exige eliminar barreiras comerciais e subsídios, eliminar o “gap tecnológico”
entre países desenvolvidos e os demais, criar até 2015 indicadores para
avaliar as transformações, tendo ainda em conta que crescimento do
produto interno bruto dos países é um indicador considerado
insuficiente, porque não leva em conta fatores sociais e ambientais. Sem
esquecer que tudo isso deverá estar no âmbito de uma “governança
ambiental internacional”, que pode exigir até a criação de uma agência
especializada da ONU.
E vai por aí o documento, enumerando
objetivos como reduzir o desperdício de água no mundo, planejar e
implantar “cidades sustentáveis”, impedir a perda da biodiversidade e a
acidificação nos oceanos, proteger estoques pesqueiros ameaçados,
combater a desertificação na África, a deposição de lixo eletrônico e de
plásticos no mar. E, em meio a isso tudo, reduzir os subsídios para
combustíveis fósseis, para proteger a agricultura dos países centrais,
para sustentar a pesca predatória. Assim como duplicar a porcentagem de
energias renováveis na matriz mundial.
Este último item remete ao relatório
recente da Agência Internacional de Energia, lembrando que o aumento de
5% no consumo de energia primária em 2010 levou a novo “pico” nas
emissões de dióxido de carbono, graças inclusive aos subsídios ao
consumo de energias derivadas de fontes fósseis, que estão em US$ 400
bilhões anuais. Ainda assim, 1,3 bilhão de pessoas não têm acesso a
energia elétrica. E os cenários traçados para o período que vai até 2035
chegam a prever um aumento de um terço na demanda de energia, mantida a
previsão de aumento de 1,7 bilhão de pessoas na população nesse período
e crescimento médio anual de 3,5% do PIB. 90% do aumento estará fora
dos países industrializados. Tudo isso exigirá investimentos de US$ 38
trilhões em 25 anos, principalmente em estruturas para transporte de
energia. O consumo de combustíveis fósseis deverá baixar apenas dos 81%
totais de hoje para 75%. As energias renováveis – principalmente
hidrelétrica e eólica – responderão por 50% da capacidade que será
adicionada.
Num quadro tão difícil, com as
dificuldades da conjuntura econômica mundial, a pouca praticidade dos
objetivos da conferência tem gerado críticas fortes. O renomado
economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, tem dito que a
conferência do Rio “deve servir para admitir duas décadas de fracasso no
campo ambiental”, para reconhecer que “não há propostas para a crise”,
que “o lobby da indústria de energia venceu Obama” (Estado,
18/11). Susana Kahn, que representa o Rio de Janeiro na conferência,
admite que há “um grande risco de a Rio+20 ser um evento sem
consequência nenhuma”, já que “não tem nada prático que vá sair do
encontro” (Estado, 21/12).
Muito mais complexa ainda é a questão
levantada pelo teólogo Leonardo Boff, ao lembrar que sustentabilidade é
tema muito abrangente: “É toda ação destinada a manter condições
energéticas, informacionais, físico-químicas, que sustentam todos os
seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana”
– e ainda assegurando os direitos das gerações futuras. Meio ambiente,
diz ele, não é “algo secundário e periférico”. Que fará a Rio+20 para
abrir caminhos que assegurem tudo isso?
Como haverá também, paralela à
conferência, uma Cúpula dos Povos por Justiça Social e Ambiental,
certamente se dirá que esse avanço da consciência social poderá abrir
caminhos para transformações políticas que levem à superação das lógicas
apenas financeiras no mundo – e ao desejado desenvolvimento
sustentável. Difícil, mas não é impossível.
Até amanhã, amig@s!
Fonte: Envolverde
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