Mais de 80 ministros presentes no evento mundial na França se comprometeram a melhorar a distribuição dos recursos hídricos, porém não definiram o acesso ao saneamento básico e à água potável como um direito humano
“Estamos comprometidos a acelerar a implementação do acesso à água limpa e segura e ao saneamento como um direito humano, um objetivo que vai nos ajudar a superar a crise dos recursos hídricos”, afirma adeclaração ministerial apresentada nesta terça-feira (13) no Fórum Mundial da Água, que está sendo realizado em Marselha, na França.
Essa decisão, de deixar para depois, foi questionada por diversos presentes e especialistas.
“É uma surpresa do pior tipo ver que os ministros não conseguiram ainda definir o acesso à agua como um direito humano, o que já é reconhecido pela ONU. Os governos estão sendo inconsistentes com suas declarações passadas”, afirmou Catarina de Albuquerque, do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
“É um retrocesso na questão da justiça da distribuição da água e no processo das Nações Unidas para garantir a água como um direito humano”, reforçou Wenonah Hauter, diretora da ONG Observatório de Alimentos e Água para o jornal The Guardian.
“O Fórum nem ao menos coletou assinaturas das nações para endossar a declaração. Este documento não pode ser confundido como uma proposta política séria”, completou Hauter.
A declaração pede que os países aumentem os investimentos em água e saneamento como uma estratégia para reduzir a pobreza, acelerar o crescimento e criar novos trabalhos. Para isso, recomenda parcerias entre os governos e a iniciativa privada, assim como o intercâmbio de melhores práticas.
O ministro boliviano para Água e Meio Ambiente, Felipe Quispe Quenta, criticou a declaração por não levar em conta as dimensões sociais das políticas sobre a água e por não criticar a privatização dos recursos hídricos.
“A água não pode ser transformada em um negócio. A Bolívia não apoia essa declaração adotada pelos ministros porque acreditamos que ela estimula a privatização dos serviços da água. É obrigação do estado garantir e administrar o direito à água”, disse Quenta.
Sobre a RIO+20, os ministros afirmam que o foco deve ser trabalhar o entendimento da ligação entre água, energia e segurança alimentar; explorar sinergias para o desenvolvimento sustentável; incorporar a gestão dos recursos hídricos em todas as decisões governamentais; e acelerar a classificação do acesso à água como um direito humano.
“Apenas palavras não vão resolver a crise que vivemos. A falta de água limpa e de saneamento é a maior causa de mortes na África subsariana. O que precisamos é de vontade política para melhorar o acesso das pessoas, principalmente das mais pobres, ao que deveria ser seu por direito”, declarou Barbara Frost, presidente da ONG WaterAid.
Cenário desolador
O retrato atual da gestão dos recursos hídricos não é nada bonito. Desperdício, má utilização e falta de planejamento são o que há de mais comum em diversos países. Já é ruim constatar isso enquanto ainda temos água disponível para todos, porém o cenário futuro é muito pior.
Esse é o alerta que o programa de água das Nações Unidas e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) fazem através do quarto relatório de desenvolvimento dos recursos hídricos, que é dividido em três volumes: “Gerência de Recursos Hídricos em Instabilidade e Risco”, “Base de Conhecimentos” e “Encarando Desafios”.
Lançado agora no Fórum Mundial da Água, o relatório afirma que cerca de um bilhão de pessoas não possuem acesso regular à agua potável. Além disso, as obras de infraestrutura não estão conseguindo acompanhar o ritmo de urbanização do planeta. Atualmente, mais de 80% dos resíduos líquidos não são coletados nem tratados.
Utilizando os dados da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o relatório considera que a produção de alimentos precisa aumentar em 70% para atender a população mundial em 2050. Esse enorme crescimento será responsável por um crescimento de 19% na utilização de água na agricultura, setor que já é responsável por 70% do consumo global.
Outro fator preocupante é o registro de que triplicou a extração de água de lençóis freáticos nos últimos 50 anos. Muitos desses reservatórios podem desaparecer em breve. O relatório aponta que o sumiço dos lençóis freáticos é resultado também da falta de chuvas regulares, uma consequência das mudanças climáticas.
Os autores acreditam que os efeitos do aquecimento global no sul da Ásia e África afetarão drasticamente a produção de alimentos e o acesso à água. Em 2070, a falta de água também será sentida no centro e sul da Europa, afetando até 44 milhões de pessoas.
O relatório estima que todas essas pressões aumentarão as disparidades econômicas entre os países, podendo incentivar conflitos. Além disso, destaca que, como sempre, os piores efeitos serão sentidos pelos mais pobres.
“A água não está sendo usada de forma sustentável. Informações sobre os recursos hídricos ainda são fragmentadas e não inteiramente confiáveis. O futuro é incerto e os riscos tendem a se aprofundar”, declarou Irina Bokova, diretora geral da UNESCO.
Autor: Fabiano Ávila – Fonte: Instituto CarbonoBrasil/Agências Internacionais
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