Pois é, Sebastião, talvez o mamute volte a caminhar na Sibéria. Quando os Titãs lançaram “O mundo é bão, Sebastião”, pelos idos de 2001, o mundo iria melhorar “quando o mamute voltar/descongelado a caminhar na Sibéria”. Agora, não exatamente descongelado, mas clonado, o mamute tem a sua primeira chance em 5 mil anos de escapar do destino inexorável da extinção e ressuscitar, num desafio às leis da evolução, aos limites da ética e da tecnologia.
Essa não é a primeira vez que a ciência se aventura pelos caminhos de ficção de “Parque dos Dinossauros”, de Michael Crichton (1990), popularizado no cinema pelos dinossauros de Steven Spielberg (1993). Mas é a primeira vez que as coisas têm chances reais de virar realidade. E ganhar vida pelas mãos de uma das figuras mais controvertidas da ciência, numa história com escalação de elenco polêmica, enredo complicado e final incerto. Em sinopse, russos e sul-coreanos anunciaram esta semana que tentarão criar um mamute de proveta. Isso já havia sido cogitado antes, mas essa é a primeira vez que tem alguma chance de funcionar, devido principalmente ao conhecimento da equipe científica, de má reputação ética e bons conhecimentos técnicos.
Outra ideia é criar um ‘mamofante’
A história começa em 2002, com a descoberta na Sibéria do corpo de um mamute (Mammuthus primigenius) excepcionalmente conservado. Ela avança com outros achados de mamutes, um deles um bebê, em 2007. No ano seguinte, numa prova de virtuosismo científico e paciência infinita de análise de dados, cientistas de um grupo internacional, não relacionado à atual equipe, apresentam o primeiro genoma de um mamute — uma colcha de retalhos genéticos, que oferece mais dúvidas do que respostas sobre esses animais.
Ainda assim, o sul-coreano Hwang Woo-suk considerou que tem em mãos material suficiente para embarcar na mais ousada aventura de sua carreira. E, esta semana, em Seul, anunciou ter se associado a russos do grupo de Vasily Vasiliev, da Universidade do Nordeste da República de Sakha. Vasiliev tem na geladeira de seu laboratório o osso da perna de um mamute encontrado em agosto passado e que, segundo eles, tem DNA em bom estado. Ou seja, ouro genético devido à raridade.
Hwang ganhou notoriedade em 2005 por suas pesquisas com clonagem de cães e caiu em desgraça internacionalmente por fraudar estudos com células-tronco humanas, em 2006. Tentou se reabilitar ao clonar oito coiotes, em outubro passado. Agora, ele planeja extrair o DNA do mamute e colocá-lo num cromossomo artificial — outra área de vanguarda e polêmica. De posse de seu pacote genético da pré-história, o próximo passo será inseri-lo no óvulo de uma elefanta indiana, escolhida porque seu DNA é o que mais se assemelha ao do parente peludo extinto.
O óvulo será quimicamente estimulado a se dividir, como se houvesse sido fertilizado, no truque bioquímico da clonagem. Uma vez que atinja algumas poucas células, o estágio de embrião será então implantado no útero de outra elefanta indiana, que servirá de mãe de aluguel. A elefanta indiana, segundo os pesquisadores, é mais apta do que sua bem mais brava e maior parente africana. Se tudo correr pelo roteiro russo-coreano, após 22 meses de gestação a Terra receberá pela primeira vez nos últimos 4,5 mil anos um bebê mamute.
Se, em 2015, o mundo testemunhar a caminhada de um mamute na Sibéria — ou, mais provavelmente, num laboratório de Seul —, ele não irá exatamente melhorar. É indiscutível o fascínio de assistir a uma criatura da pré-história vencer as leis da natureza e voltar à vida. Mas a técnica escancararia a caixa de Pandora evolutiva para trazer de volta, por exemplo, seres humanos extintos. Em tese, uma mulher poderia ser mãe de aluguel de um embrião de Neandertal. A discussão ética de tais experiências está na primeira infância e já deixa muita gente de cabelo em pé.
— Não existe uma única boa razão científica para trazer de volta espécies extintas. Por que as queremos? Para colocá-las num parque temático? Podemos estudar sua evolução com fósseis e DNA e deixá-las em paz — disse, com indignação à “Slate” o geneticista evolucionário Hendrik Poinar, da Universidade McMaster, no Canadá.
A experiência do mamute incendeia também a discussão sobre os limites da ciência, embora a maioria dos especialistas considere pouquíssimo provável que ela tenha sucesso agora. A primeira dificuldade é que reconstruir DNA antigo é extremamente complicado e com taxa de sucesso baixíssimo — pense em menos de 1%. Além disso, a própria clonagem, desde a ovelha Dolly, em 1997, pouco avançou em seus índices de sucesso. Clones têm quase sempre falhas letais em seu DNA.
Há ainda as elefantas e seu complicado sistema reprodutivo, que dificulta muito a vida dos pesquisadores que precisam extrair seus óvulos.
Um dos caminhos apontados seria usar o genoma do elefante africano atual como molde para recriar o DNA do mamute. O resultado seria o genoma de um mamute com toques contemporâneos de um elefante. Tal criatura, um mamofante. Ainda assim, o maior especialista em DNA antigo do mundo, Svante Paabo, do Instituto Max Planck, na Alemanha, não tem grande esperança de que estará vivo para conhecer um mamofante. Paabo, um sueco de humor afiado e que gosta de escalar nas horas vagas, está na casa dos 50. Num blog da “Nature”, ele disse que reconhece, porém, que talvez precise reconsiderar. Quando tinha 20 anos, ele nunca esperaria ter em mãos a sequência de um ser humano antigo. Mas em 2010 ele próprio nos deu o primeiro genoma do Neandertal.
Paabo sabe que Hwang Woo-suk não desistirá e já paga para ver.
Até amanhã, amig@s!
Fonte: O Globo
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