Na opinião de Leandra Gonçalves,
coordenadora do Programa Costa Atlântica da SOS Mata Atlântica, os
oceanos são bastante relevantes e poderiam ganhar um pouco mais de
atenção da sociedade e dos tomadores de decisão. Na entrevista que
concedeu por telefone para a IHU On-Line ela fala sobre a
situação dos oceanos no mundo hoje e como o tema apareceu durante os
debates da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável.
“É uma pena que os representantes, os negociadores e os
líderes de Estado tenham perdido uma oportunidade tão importante quanto a
Rio+20 de ter colocado metas numéricas, que poderiam ser alcançadas em
determinados prazos, e ter jogado esse compromisso para 2014 e 2015”.
Leandra Gonçalves (foto abaixo)
graduou-se em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica
de Campinas e é mestre em Ecologia e Comportamento Animal pela
Universidade Federal de Juiz de Fora. Trabalhou junto ao Centro de
Estudos para a Conservação Marinha (Cemar), participando e coordenando o
Projeto Baleia de Bryde. Em 2007, passou a integrar a equipe do
Greenpeace Brasil, onde coordenou a campanha contra a caça de baleias,
em defesa dos oceanos e a campanha de clima e energia. Trabalhou
recentemente com o conflito existente na costa brasileira entre a
conservação da biodiversidade e a exploração de petróleo. É aluna de
doutorado do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São
Paulo, onde estuda os oceanos no âmbito das conferências das Nações
Unidas. Atualmente coordena o Programa Costa Atlântica da SOS Mata
Atlântica.
HU On-Line – Muitos
ambientalistas, apesar de criticarem a Rio+20, apontaram a discussão
sobre a preservação dos oceanos como algo importante. Como avalia a
discussão que ocorreu na Conferência?
Leandra Gonçalves – Ter
o tema dos oceanos como uma das discussões principais da Rio+20 foi
relevante, porque pela primeira vez se viu o assunto ter uma cobertura
midiática e um acompanhamento da sociedade civil de forma extensa.
Também foi a primeira vez que temas relacionados à proteção dos oceanos
fizeram parte do texto da Conferência geral. A presença do debate, o
envolvimento da sociedade civil, dos atores da academia e de
organizações internacionais, são de fato um grande avanço. O lamentável é
que pouco se tem de concreto no texto aprovado na Conferência final –
ainda muito gasoso, flexível e genérico – que é o que acontece nas
conferências internacionais, quando se precisa atingir o consenso de 193
países que apresentam diferentes graus de desenvolvimento e
envolvimento com a questão. É uma pena que os representantes, os
negociadores e os líderes de Estado tenham perdido uma oportunidade tão
importante quanto a Rio+20 de ter colocado metas numéricas, que poderiam
ser alcançadas em determinados prazos, e ter jogado esse compromisso
para 2014 e 2015.
IHU On-Line – Recentemente você
declarou que a criação de áreas marinhas protegidas é a melhor
ferramenta para a preservação, recuperação e manutenção dos oceanos, no
seu desempenho como regulador do clima do planeta. Qual a função dos
oceanos para garantir a sustentabilidade do planeta?
Leandra Gonçalves – Os
oceanos cobrem 70% da superfície da Terra e têm uma importância
fundamental para regular todo o equilíbrio climático do planeta. Além
disso, são considerados uma das principais fontes de proteína para
alimentar a população brasileira e um dos ambientes onde se encontra a
maior taxa de biodiversidade. Então, os oceanos têm uma importância
bastante grande no que se refere à manutenção desses serviços
ambientais. É uma pena, de fato, que muitas das decisões voltadas à
questão do meio ambiente sejam estritamente relacionadas às florestas.
Não que elas não mereçam a devida atenção, sem dúvida é uma questão
importante, mas os oceanos também são bastante relevantes e poderiam
ganhar um pouco mais de atenção da sociedade e também dos tomadores de
decisão.
IHU On-Line – Como acontece hoje
a proteção e preservação dos oceanos? Na prática, como é possível criar
essas áreas de proteção?
Leandra Gonçalves – A
melhor ferramenta são as áreas marinhas protegidas. São unidades de
conservação marinha, espaços protegidos no mar, que devem seguir
determinadas regras e regulamentações, mas que têm como função básica
produzir e criar espaço e tempo para a natureza se recuperar. Hoje
sabemos que os peixes, moluscos, mamíferos marinhos, corais, plânctons,
estão constantemente sofrendo pressões de variados vetores. Tem o vetor
do aquecimento global, da exploração de petróleo e gás; tem a questão da
sobrepesca, da pesca ilegal, da sobre-exploração pesqueira; tem o fato
da poluição atmosférica e terrestre; tem o lixo do mar. Todos esses são
vetores que ameaçam a biodiversidade marinha. Para que essa
biodiversidade se recupere, a melhor forma é o Estado criar essas
unidades de conservação, que é o que chamamos hoje de áreas marinhas
protegidas.
IHU On-Line – Como vislumbra a possibilidade de uma governança global dos oceanos?
Leandra Gonçalves – Sem
dúvida nenhuma, essa é uma necessidade. Hoje, cada país costeiro tem
soberania por 200 milhas náuticas a contar do seu limite de costa, ou
seja, o Brasil tem que ter governança marinha nacional ao longo das 200
milhas náuticas da costa brasileira. Para além destas, que é parte da
soberania de cada país, ainda nos restam 67% de mar brasileiro que é
praticamente o “mar de ninguém”, porque não tem nenhuma gestão, nenhuma
regulamentação. Em outras palavras, países que têm condições
tecnológicas de ultrapassar esse limite das 200 milhas náuticas, podem
fazer nesses 67% de águas “internacionais” atividades exploratórias que
bem lhe interessarem. O que se discutiu bastante na Rio+20 foi a
necessidade de ter um tratado internacional que fosse, inclusive,
destinado a proteger também esse mar que está sem regulamentação.
IHU On-Line – Como o Brasil se
posiciona diante das discussões acerca da preservação dos oceanos? Como
esse tema aparece na política ambiental do Estado brasileiro?
Leandra Gonçalves – O
Brasil, ao longo da discussão da Conferência Rio+20 sobre o tema dos
oceanos, foi favorável ao aumento da governança ambiental internacional.
No entanto, o que não vemos muito no governo brasileiro é esse mesmo
interesse em preservar a zona costeira marinha brasileira. Um exemplo
claro disso é a região do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, uma das
regiões de maior biodiversidade de todo o Oceano Atlântico Sul,
localizado no extremo sul da Bahia, onde encontramos a única área de
reprodução de baleias jubarte e a maior área de recifes de corais de
todo o Atlântico Sul. Além disso, é a região onde sobrevivem mais de 25
mil pescadores e comunidades tradicionais. Essa área hoje sofre ameaças
do impacto do aquecimento global, da exploração de petróleo e gás, e
também da sobrepesca. O governo brasileiro perdeu a oportunidade,
durante a Rio+20, de criar e de ampliar essa área do Parque Nacional
Marinho dos Abrolhos, garantindo uma maior proteção à biodiversidade.
IHU On-Line – Qual é a situação
ambiental dos oceanos, considerando que acontecem vazamentos de
petróleo, por exemplo, no mar? É possível avaliar qual dos oceanos está
mais preservado?
Leandra Gonçalves – Em
termos de legislação para a proteção do mar, a Austrália e a Nova
Zelândia estão entre os países que mais têm interesse na preservação.
Recentemente, até durante a Conferência Rio+20, a Austrália anunciou a
criação de uma das maiores áreas marinhas protegidas do mundo. No
entanto, é muito difícil dizer qual é o oceano mais protegido. Mas
acredito que o entorno da Austrália e da Nova Zelândia é a região mais
protegida no mundo hoje.
IHU On-Line – Como você avalia as discussões em torno da criação do Santuário Atlântico Sul e a reprovação do projeto?
Leandra Gonçalves – Isso
é uma pena muito grande. Há mais de 12 ou 13 anos que o governo
brasileiro é proponente da criação desse santuário para a conservação de
baleias e de golfinhos no Oceano Atlântico Sul, juntamente com a África
do Sul, a Argentina e o Chile. Todos os anos, ao longo das discussões
da Comissão Internacional da Baleia, o governo brasileiro lança a
proposta do santuário, mas ela sempre é recusada. É uma pena que o Japão
continue anualmente realizando a compra dos votos – o que já foi
denunciado por muitas organizações não governamentais –, impedindo a
aprovação de mais proteção para baleias e golfinhos na região do
Atlântico Sul.
Fonte: IHU – Online