Os preços do petróleo agora estão mais altos do que alguma vez estiveram – exceto nuns poucos momentos frenéticos antes do colapso econômico global de 2008. Muitos fatores imediatos contribuem para esta alta, incluindo ameaças do Irã de bloquear o trânsito de petróleo no Golfo Pérsico, temores de uma nova guerra no Oriente Médio e perturbações na Nigéria, rica em petróleo.
Algumas destas pressões podem diminuir nos meses pela frente, proporcionando alívio temporário na bomba de gasolina. Mas a causa principal dos preços mais elevados – uma mudança fundamental na estrutura da indústria petrolífera – não pode ser revertida e, assim, os preços do petróleo estão destinados a permaneceram altos por um longo tempo daqui para a frente.
Em termos de energia, estamos agora entrando num mundo cuja natureza implacável ainda tem de ser plenamente apreendida. Esta mutação essencial foi provocada pelo desaparecimento do petróleo relativamente acessível e barato – o “petróleo fácil”, na linguagem dos analistas da indústria. Noutras palavras, a espécie de petróleo que impulsionou uma expansão vertiginosa da riqueza global ao longo dos últimos 65 anos, bem como a criação de infindáveis comunidades suburbanas orientadas para o carro. Este petróleo está agora quase acabado.
O mundo ainda dispõe de grandes reservas de petróleo, mas estas são difíceis de alcançar, difíceis de refinar, a variedade “petróleo árduo”. A partir de agora, todo barril que consumirmos será mais custoso para extrair, mais custoso para refinar – e, assim, mais caro na bomba de gasolina.
Aqueles que afirmam que o mundo permanece “inundado” de petróleo estão tecnicamente corretos: o planeta ainda dispõe de vastas reservas. Mas os propagandistas da indústria petrolífera geralmente deixam de enfatizar que nem todos os reservatórios de petróleo são semelhantes: alguns estão localizados próximos à superfície ou próximos à costa e estão contidos em rocha porosa; outros estão localizados no subsolo profundo, no offshore distante, ou presos em formações rochosas inflexíveis. Os sítios anteriores são relativamente fáceis de explorar e proporcionam um combustível líquido que pode ser prontamente refinado em líquidos utilizáveis; os segundos só podem ser explorados com técnicas custosas, ambientalmente arriscadas e muitas vezes resultam num produto que deve ser fortemente processado antes que a refinação possa sequer começar.
A simples verdade sobre o assunto é esta: a maior parte das reservas fáceis do mundo já foram esgotadas – exceto aquelas em países espinhosos como o Iraque. Virtualmente todo o petróleo que resta está contido em reservas mais difíceis de serem atingidas. Isto inclui o petróleo do offshore profundo, o petróleo do Ártico e o petróleo de xisto, juntamente com as “areias betuminosas” do Canadá – as quais não são compostas de petróleo de modo algum, mas sim de lama, areia e alcatrão semelhante a betume. As chamadas reservas não convencionais destes tipos podem ser exploradas, mas muitas vezes a um preço desconcertante, não apenas em dólares mas também em danos para o ambiente.
No negócio do petróleo, esta realidade foi reconhecida primeiramente pelo presidente e CEO da Chevron, David O’Reilly, numa carta de 2005 publicada em muitos jornais norte-americanos. “Uma coisa é clara”, escreveu ele, “a era do petróleo fácil está acabada”. Não só muitos dos campos existentes estavam em declínio, observou ele, como “novas descobertas de energia estão a ocorrer principalmente em lugares onde os recursos são difíceis de extrair, fisicamente, economicamente e mesmo politicamente”.
Nova prova desta mutação foi proporcionada pela Agência Internacional de Energia (IEA), numa revisão de 2010 das perspectivas do petróleo mundial. Na preparação deste relatório, a agência examinou os rendimentos históricos dos maiores campos produtores do mundo – o “petróleo fácil” sobre o qual o mundo ainda repousa para o grosso da sua energia de forma esmagadora. Os resultados foram espantosos: esperava-se que aqueles campos perdessem três quartos da sua capacidade produtiva ao longo dos 25 anos seguintes, eliminando 52 milhões de barris de petróleo por dia da oferta mundial, ou cerca de 75% da atual produção mundial. As implicações eram estarrecedoras: ou descobrir petróleo novo para substituir aqueles 52 milhões de barris/dia, ou a era do petróleo chegará logo a um fim e a economia mundial entraria em colapso.
Naturalmente, como a IEA tornou claro em 2010, haverá novo petróleo, mas só da variedade difícil que exigirá um preço de todos nós – e do planeta, também. Para apreender as implicações da nossa crescente dependência do petróleo difícil, vale a pena dar uma olhadela em alguns dos mais apavorantes pontos sobre a Terra. Assim, apertem os vossos cintos de segurança: primeiro estamos a ir para o mar para examinar o “promissor” novo mundo do petróleo do Século 21.
Petróleo de águas profundas
As companhias de petróleo têm estado a perfurar em áreas offshore desde há algum tempo, especialmente no Golfo do México e no Mar Cáspio. Até recentemente, contudo, tais esforços verificavam-se invariavelmente em águas relativamente rasas – umas poucas centenas de metros, na maior parte – o que permitia às companhias utilizarem perfuradores convencionais montados sobre colunas extensas. A perfuração em águas profundas, em profundidades que ultrapassam os 300 metros, é um assunto inteiramente diferente. Ela requer plataformas de perfuração especializadas, refinadas e imensamente caras, que podem custar milhares de milhões de dólares para produzir.
A Deepwater Horizon, destruída no Golfo do México em abril de 2010 devido a uma explosão catastrófica, é bastante típica deste fenômeno. O vaso foi construído em 2001 por uns US$ 500 milhões e custa cerca de US$ 1 milhão por dia para conservar e manter. Parcialmente devido a estes altos custos, a BP estava com pressa de acabar o trabalho do seu malfadado furo Macondo e mover a Deepwater Horizon para outro local de perfuração. Tais considerações financeiras, acreditam muitos analistas, explicam a pressa com a qual a tripulação do vaso selou o furo – levando a uma fuga de gases explosivos dentro do poço e a explosão resultante. A BP agora terá de pagar algo para além de US$ 30 bilhões para atender todas as reclamações pelo dano feito com a sua fuga de petróleo maciça.
A seguir ao desastre, a administração Obama impôs uma proibição temporária à perfuração no offshore profundo. Mal se passaram dois anos, a perfuração nas águas profundas do Golfo está outra vez em níveis de pré-desastre. O presidente Obama também assinou um acordo com o México que permitia perfurar na parte mais profunda do Golfo, ao longo da fronteira marítima norte-americana-mexicana.
Enquanto isso, a perfuração em águas profundas está a ganhar velocidade alhures. O Brasil, por exemplo, movimenta-se para explorar seus campos “pré-sal” (assim chamados porque jazem abaixo de uma camada de sal), nas águas do Oceano Atlântico, muito longe da costa do Rio de Janeiro. Novos campos offshore estão analogamente a ser desenvolvidos nas águas profundas de Gana, Serra Leoa e Libéria.
Em 2020, diz o analista de energia John Westwood, estes campos de águas profundas fornecerão 10% do petróleo mundial, quando eram apenas 1% em 1995. Mas este acréscimo de produção não sairá barato: a maior parte destes novos campos custará dezenas ou centenas de milhares de milhões de dólares para desenvolver e só se demonstrará lucrativo desde que o petróleo continue a ser vendido por US$ 90 ou mais por barril.
Os campos offshore do Brasil, considerados por alguns peritos como as mais prometedoras novas descobertas deste século, demonstrar-se-ão especialmente caros porque jazem sob 2,4 mil metros de água e quatro mil metros de areia, rocha e sal. Serão necessários os mais avançados e custosos equipamentos de perfuração do mundo – alguns deles ainda a serem desenvolvidos. A Petrobras, a empresa de energia controlada pelo Estado, já comprometeu US$ 53 bilhões para o projeto no período 2011-2015, e a maior parte do analistas acredita que isto será apenas um modesto pagamento inicial de um estarrecedor preço final.
Petróleo ártico
Espera-se que o Ártico proporcione uma fatia significativa da futura oferta mundial. Até recentemente, a produção no extremo Norte foi muito limitada. Exceto na área de Prudhoe Bay, no Alasca, e num certo número de campos na Sibéria, as grandes companhias têm geralmente evitado a região. Mas agora, ao verem poucas outras opções, elas estão a preparar-se para grandes investidas num Ártico em fusão.
De qualquer perspectiva, o Ártico é o último lugar para se querer ir a fim de furar por petróleo. As tempestades são frequentes e as temperaturas no inverno mergulham muito abaixo do ponto de congelamento. A maior parte do equipamento comum não operará sob estas condições. São necessários substitutivos especializados (e custosos). As equipes de trabalho não podem viver na região por muito tempo. A maior parte dos abastecimentos – comida, combustível, materiais de construção – devem ser trazidos de milhares de quilômetros a um custo fenomenal.
Mas o Ártico tem os seus atrativos: milhares de milhões de barris de petróleo inexplorado. Segundo o U.S. Geological Survey (USGS), a área Norte do Círculo Ártico, com apenas 6% da superfície do planeta, contém uma estimativa de 13% do seu petróleo remanescente (e ainda maior fatia do seu gás natural não desenvolvido) – números com que nenhuma outra região pode competir.
Sobrando poucos lugares para ir, as grandes empresas de energia agora estão a preparar-se para uma corrida a fim de explorar as riquezas do Ártico. Neste verão, espera-se que a Royal Dutch Shell comece furos de teste em porções dos Mares Beauforte Chukchi, ao Norte do Alasca (a administração Obama ainda deve conceder as autorizações finais de operação para estas atividades, mas espera-se a aprovação). Ao mesmo tempo, a Statoil e outras firmas planejam perfurar no Mar de Barents, ao Norte da Noruega.
Com estes cenários energéticos extremos, o aumento da produção no Ártico impulsionará significativamente os custos operacionais das companhias de petróleo. A Shell, por exemplo, já gastou US$ 4 bilhões só nos preparativos para furos de teste no offshore do Alasca, sem produzir um único barril de petróleo. O desenvolvimento em plena escala nesta região ecologicamente frágil, tenazmente contrariado por ambientalistas e povos nativos locais, multiplicará este número muitas vezes mais.
Areias betuminosas e petróleo pesado
Espera-se que outra fatia significativa do futuro abastecimento mundial de petróleo venha das areias betuminosas do Canadá (também chamadas areias petrolíferas) e do petróleo superpesado da Venezuela. Nada disto é petróleo tal como é normalmente entendido. Não sendo líquidos nos seu estado natural, eles não podem ser extraídos pelos materiais de furação tradicionais, mas existem em grande abundância. Segundo o USGS, as areias betuminosas do Canadá contêm o equivalente a 1,7 trilhão de barris de petróleo convencional (líquido), ao passo que os depósitos de petróleo pesado da Venezuela dizem abrigar outro milhão de milhões de petróleo equivalente – embora nem tudo seja considerado “recuperável” com a tecnologia existente.
Aqueles que afirmam que a era do petróleo está longe de estar ultrapassada apontam estas reservas como prova de que o mundo ainda pode extrair imensas quantidades de combustíveis fósseis inexplorados. E certamente é concebível que, com a aplicação de tecnologias avançadas e uma indiferença total para com as consequências ambientais, estes recursos na verdade serão colhidos. Mas não é petróleo fácil.
Até agora, as areias betuminosas do Canadá foram exploradas por um processo análogo à mineração a céu aberto, utilizando pás monstruosas para arrancar uma mistura de areia e betume do solo. Mas a maior parte do betume próximo à superfície nas areias betuminosas ricas da província de Alberta foram exauridas, o que significa que toda extração futura exigirá um processo muito mais complexo e custoso. Terá de ser injetado vapor nas concentrações mais profundas para fundir o betume e permitir a sua recuperação por meio de bombas maciças. Isto exige um investimento colossal em infraestrutura e energia, bem como a construção de instalações de tratamento para todos os resíduos tóxicos resultantes. Segundo o Canadian Energy Research Institute, o pleno desenvolvimento das areias petrolíferas de Alberta exigiria um investimento mínimo de US$ 218 bilhões ao longo dos próximos 25 anos, não incluindo o custo de construir oleodutos para os Estados Unidos (tal como o proposto Keystone XL) para processamento em refinarias norte-americanas.
O desenvolvimento do petróleo pesado da Venezuela exigirá investimento numa escala comparável. Acredita-se que o cinturão do Orenoco, uma concentração especialmente densa de petróleo pesado adjacente ao Rio Orenoco, contenha reservas recuperáveis de 513 bilhões de barris de petróleo – talvez a maior fonte de petróleo inexplorado do planeta. Mas, converter esta forma de betume semelhante a melaço num combustível líquido, excede em muito a capacidade técnica ou os recursos financeiros da companhia estatal, Petróleos de Venezuela S/A. Consequentemente, ela está agora à procura de parceiros estrangeiros dispostos a investir os US$ 10 bilhões a US$ 20 bilhões necessários apenas para construir as instalações.
Os custos ocultos
Reservas difíceis como esta proporcionarão a maior parte do novo petróleo do mundo nos próximos anos. Uma coisa é clara: mesmo se puderem substituir o petróleo fácil nas nossas vidas, o custo de tudo o que está relacionado com petróleo – seja a gasolina na bomba, produtos com base no petróleo, fertilizantes, tudo por toda a parte das nossas vidas – está em vias de ascender. Habitue-se a isto. Se as coisas decorrerem como se planeja atualmente, estaremos pendurados no big oil nas próximas décadas.
E estes são apenas os custos mais óbvios numa situação em que abundam custos ocultos, especialmente para o ambiente. Tal como no desastre da Deepwater Horizon, a extração em áreas do offshore profundo e em outras localizações geográficas extremas garantirá riscos ambientais sempre maiores. Afinal de contas, aproximadamente 22 milhões de litros de petróleo foram despejados no Golfo do México, graças à negligência da BP, provocando danos extensos a animais marinhos e ao habitat costeiro.
Recordar que, por mais catastrófico que fosse, ele ocorreu no Golfo do México, onde podiam ser mobilizadas forças amplas para a limpeza e a capacidade de recuperação do ecossistema era relativamente robusta. O Ártico e a Groenlândia representam um risco diferente, dado a sua distância das capacidades de recuperação estabelecidas e a extrema vulnerabilidade dos seus ecossistemas. Os esforços para restaurar tais áreas na sequência de fugas de petróleo maciças custariam muitas vezes os US$ 30 bilhões a US$ 40 bilhões que a BP pretende pagar pelo danos da Deepwater Horizon e serão muito menos eficazes.
Além de tudo isto, muitos dos campos de petróleo difícil mais promissores estão na Rússia, na bacia do Mar Cáspio, e em áreas conflituosas da África. Para operar nestas áreas, companhias de petróleo serão confrontadas não só com os custos previsivelmente altos da extração, como também com custos adicionais envolvendo sistemas locais de suborno e extorsão, sabotagem por grupos de guerrilha e as consequências de conflitos civis.
E não esquecer o custo final: se todos estes barris de petróleo e substâncias afins do petróleo forem realmente produzidos a partir dos menos convidativos lugares neste planeta, então nas próximas décadas continuaremos a queimar combustíveis fósseis maciçamente, criando sempre mais gases de efeito estufa como se não houvesse amanhã. E aqui está a triste verdade: se prosseguirmos no caminho do petróleo difícil, ao invés de investirmos maciçamente em energias alternativas, podemos excluir qualquer esperança de impedir as mais catastróficas consequências de um planeta mais quente e mais turbulento.
De modo que, sim, há petróleo não convencional. Mas não, ele não será mais barato, não importa quanto haja. E, sim, as companhias de petróleo podem obtê-lo, mas, olhando realisticamente, quem o desejaria?
Autor: Michael T. Klare - autor de The Race for What’s Left: The Global Scramble for the World’s Last Resources(Metropolitan Books).
Fonte: Envolverde