[O Estado de S.Paulo]
Pois não é que, enquanto o eleitor se pergunta, aflito, em quem votar
para resolver os dramáticos problemas das nossas insustentáveis grandes
cidades, um pequeno país de 450 mil habitantes – a África Equatorial –
anuncia (Estado, 10/6) que até 2025 terá construído uma nova capital
“inteiramente sustentável” de 40 mil casas para 140 mil habitantes, toda
ela só com “energias renováveis”, principalmente a fotovoltaica? Mas
como afastar as dúvidas do eleitor brasileiro que pergunta por que se
vai eliminar uma “florestal equatorial” – tão útil nestes tempos de
problemas climáticos – e substituí-la por áreas urbanas?
Bem ou mal, o tema das “cidades sustentáveis” entra na nossa pauta.
Com Pernambuco, por exemplo, planejando todo um bairro exemplar em
matéria de água, esgotos, lixo, energia, telecomunicações, em torno do
estádio onde haverá jogos da Copa de 2014, inspirado em Yokohama (Valor,
24/6), conhecida como “a primeira cidade inteligente do Japão”. E até
já se noticia (12/7) que o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de
“construções sustentáveis” no mundo, depois de Estados Unidos, China e
Emirados Árabes – já temos 52 certificadas e 474 “em busca do selo”, por
gastarem 30% menos de energia, 50% menos de água (com reutilização),
reduzirem e reciclarem resíduos, além de só utilizarem madeira
certificada e empregarem aquecedores solares.
“As cidades também morrem”, afirma o professor da USP João Sette
Whitaker Ferreira (Eco 21, junho de 2012), ressaltando que, enquanto há
50 anos se alardeava que “São Paulo não pode parar”, hoje se afirma que a
cidade “não pode morrer” – mas tudo se faz para a “morte anunciada”, ao
mesmo tempo que o modelo se reproduz pelo País todo. Abrem-se na
capital paulista mais pistas para 800 novos automóveis por dia, quem
depende de coletivos gasta quatro horas diárias nos deslocamentos, os
bairros desfiguram-se, shoppings e condomínios fechados avançam nos
poucos espaços ainda disponíveis, 4 milhões de pessoas moram em favelas
na região metropolitana.
Não é um problema só brasileiro. Em 1800, 3% da população mundial
vivia em cidades, hoje estamos perto de 500 cidades com mais de 1 milhão
de pessoas cada uma, quase 1 bilhão vive em favelas. Aqui, com perto de
85% da população em áreas urbanas, 50,5 milhões, segundo o IBGE, vivem
em moradias sem árvores no entorno (26/5), seis em dez residências estão
em quarteirões sem bueiros, esgotos correm na porta das casas de 18,6
milhões de pessoas. Quase metade do solo da cidade de São Paulo está
impermeabilizada, as variações de temperatura entre uma região e outra
da cidade podem ser superiores a 10 graus (26/3).
Estamos muito atrasados. Na Europa, 186 cidades proibiram o trânsito
ou criaram áreas de restrição a veículos com alto teor de emissão
(26/2), com destaque para a Alemanha. Ali, em um ano o nível de poluição
do ar baixou 12%. Londres, Estocolmo, Roma, Amsterdam seguem no mesmo
rumo, criando limite de 50 microgramas de material particulado por metro
cúbico de ar, obedecendo à proposta da Organização Mundial de Saúde. No
Brasil o limite é três vezes maior.
E há novos problemas claros ou no horizonte, contra os quais já
tomaram posição cidades como Pyongyang, que não permite a ocupação de
espaços públicos urbanos por cartazes, grafites, propaganda na fachada
de lojas, anúncios em néon (New Scientist, 19/5). É uma nova e imensa
ameaça nos grandes centros urbanos, atopetados por informações gráficas e
digitais projetadas. Quem as deterá? Com que armas, se as maiores
fabricantes de equipamentos digitais lançam a cada dia novos geradores
de “realidade ampliada”, a partir de fotos, vídeos e teatralizações
projetados? O próprio interior das casas começa a ser tomado por telas
gigantescas.
Um bom ponto de partida para discussões sobre as áreas urbanas e seus
problemas pode ser o recém-editado livro Cidades Sustentáveis, Cidades
Inteligentes” (Brookman, 2012), em que o professor Carlos Leite (USP,
Universidade Presbiteriana Mackenzie) e a professora Juliana Marques
Awad argumentam que “a cidade sustentável é possível”, pode ser
reinventada. Mas seria “ingênuo pensar que as inovações tecnológicas do
século 21 propiciarão maior inclusão social e cidades mais democráticas,
por si sós”. A s cidades – que se tornaram “a maior pauta do planeta” –
“terão de se reinventar”, quando nada porque já respondem por dois
terços do consumo de energia e 75% da geração de resíduos e contribuem
decisivamente para o processo de esgotamento de recursos hídricos, com
um consumo médio insustentável de 200 litros diários por habitante.
“Cidades sustentáveis são cidades compactas”, dizem os autores, que
estudam vários casos, entre eles os de Montreal, Barcelona e São
Francisco. E propõem vários caminhos, com intervenções que conduzam à
regulação das cidades e à reestruturação produtiva, capazes de levar à
sustentabilidade urbana.
Mas cabe repetir o que têm dito vários pensadores: é preciso mudar o
olhar; nossas políticas urbanas se tornaram muito “grandes”, distantes
dos problemas do cotidiano do cidadão comum; ao mesmo tempo, muito
circunscritas, são incapazes de formular macropolíticas coordenadas que
enfrentem os megaproblemas. No caso paulistano, por exemplo, é preciso
ter uma política ampla e coordenadora das questões que abranjam toda a
região metropolitana; mas é preciso descentralizar a execução e
colocá-la sob a guarda das comunidades regionais/locais. Não custa
lembrar que há alguns anos um grupo de professores da Universidade de
São Paulo preparou um plano para a capital paulista que previa a
formação de conselhos regionais e subprefeituras, com a participação e
decisão de conselhos da comunidade até sobre o orçamento; mas as
discussões na Câmara Municipal levaram a esquecer o macroplano e ficar
só com a criação de novos cargos.
Por aí não se vai a lugar nenhum – a não ser a problemas mais dramáticos.
Washington Novaes é jornalista
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo
EcoDebate, 30/07/2012
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