A instituição da Política Nacional dos
Resíduos Sólidos – PNRS “mobilizou tanto o setor público como o setor
privado e a sociedade civil, o que por sua vez tem gerado inúmeros
debates que cumprem papel de formação”, avalia Elisabeth Grimberg, ao
analisar os primeiros resultados da PNRS. Entre as propostas da PNRS
está a de responsabilizar o fabricante, importadores, distribuidores e
comerciantes pelas embalagens produzidas.
Os benefícios dessa medida
serão percebidos a médio e longo prazo, quando as empresas revisarem e
repensarem o “padrão de produção, pois excesso de embalagens terão
custos no pós-consumo e isto deverá ser um estímulo para a reprogramação
de produtos e embalagens”, assinala.
Um dos desafios da PNRS é a adesão dos
municípios à coleta seletiva dos resíduos úmidos domiciliares,
atribuição da prefeitura e a implantação da logística reversa, ou seja,
coleta seletiva dos resíduos secos domiciliares. Mas na avaliação da
coordenadora da área de Resíduos Sólidos do Instituto Pólis, será
possível terminar com os lixões até 2014 se os gestores municipais
contribuírem para este processo. “É possível desde que os municípios
sejam pró-ativos no sentido de se habilitar a acessar recursos públicos
federais, por exemplo, disponíveis para a implementação de sistemas de
recuperação de resíduos sólidos”, assegura.
Na entrevista a seguir, concedida por
e-mail para a IHU On-Line, Elisabeth também comenta a PNRS e os desafios
acerca da implantação completa da logística reversa. “Houve assinatura
de termos de compromisso entre a Secretaria de Meio Ambiente do Estado
de São Paulo e quatro setores da indústria – fabricantes de óleos
lubrificantes, de embalagens de agrotóxicos, de pilhas e baterias
portáteis (estes já têm ações há mais de 10 anos) e de produtos de
higiene pessoal, perfumaria, cosméticos, de materiais de limpeza e afins
(estes não tinham nenhuma iniciativa antes) para estabelecimento de
logística reversa. Porém, o desafio é muito maior, porque está em
questão o setor empresarial viabilizar a coleta seletiva, triagem e
garantia de escoamento de 30% de todo o resíduo seco gerado em 5.565
municípios brasileiros”, esclarece.
Elisabeth Grimberg é coordenadora
executiva do Instituto Pólis para a área de resíduos sólidos. Também
compõe a coordenação do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade da Cidade de
São Paulo. É mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul – UFRGS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais os efeitos práticos da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS até o momento?
Elisabeth Grimberg – A
instituição da PNRS e o processo público e participativo de construção
do Plano Nacional de Resíduos Sólidos (2011) mobilizaram tanto o setor
público como o setor privado e a sociedade civil, o que por sua vez tem
gerado inúmeros debates que cumprem papel de formação. Os debates também
repercutem positivamente porque pressionam especialmente prefeituras e
setor empresarial a implementarem ações de sua responsabilidade,
previstas na Lei número 12.305.
IHU On-Line – Será possível terminar com os lixões até 2014, conforme o previsto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos?
Elisabeth Grimberg – É
possível desde que os municípios sejam pró-ativos no sentido de se
habilitarem a acessar recursos públicos federais, por exemplo,
disponíveis para a implementação de sistemas de recuperação de resíduos
sólidos. A responsabilidade das prefeituras é de implantar a coleta
seletiva dos resíduos úmidos (60% do total gerado nos domicílios) e
destiná-los preferencialmente para compostagem. E a responsabilidade
pela coleta seletiva dos resíduos secos (40% do total) é dos
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, segundo a PNRS
(Art.33, § 1º). O rejeito, sendo composto de resíduos secos, também é
atribuição do setor empresarial.
IHU On-Line – Apesar de a lei
diferenciar o que é lixo que não pode ser aproveitado e o que é passível
de reaproveitamento, a informação é de que na cidade de São Paulo, por
exemplo, apenas 1,17% do lixo é reciclado. Quais as razões do baixo
índice de reciclagem?
Elisabeth Grimberg – A
Prefeitura de São Paulo não apostou e não investiu no modelo criado no
início de 2001, quando a então prefeita Marta Suplicy iniciou processo
participativo de construção de um modelo socioambiental sustentável.
Foram construídas 15 unidades de triagem operadas por cooperativas de
catadores durante sua gestão. De lá para cá, passados quase oito anos,
foram implantadas apenas cinco unidades, o que revela a falta de vontade
política de implementar um novo padrão de gestão e destinação de
resíduos em São Paulo.
IHU On-Line – Esse percentual é estendido às demais capitais ou cidades do Brasil?
Elisabeth Grimberg – A
média de desvio de resíduos de aterro sanitário por ações de
recuperação, seja realizadas por catadores seja por intermediários
(sucateiros), é estimada entre 10 a 15%. Encontram-se, porém, cidades
que chegam a recuperar até 23% dos seus resíduos em programas oficiais
de coleta seletiva, que é o caso de Londrina-PR.
IHU On-Line – O que dificulta a adesão de muitos municípios brasileiros à coleta seletiva?
Elisabeth Grimberg – Antes
da PNRS pode-se atribuir essas dificuldades à cultura política que rege
a gestão de resíduos, ou seja, tratar resíduos reaproveitáveis como
lixo e jogá-lo, portanto, nas costas da cidade, em lixões – uma forma de
não ter despesas com tratamento adequado. Em parte também porque, para
implantar coleta seletiva, é preciso investimentos/orçamento para tal, e
uma maior capacidade técnica e gerencial para implementar um sistema
que funcione a contento – programa de educação da população para separar
adequadamente, sistema de controle e punição para os que não aderirem,
unidades de triagem e investimentos na estruturação de cooperativas de
catadores para viabilizar sua integração de forma digna e sustentável.
Isso tudo requer também planejamento estratégico, algo que não é muito
frequente ocorrer nos municípios brasileiros. Contudo, a partir de 2010,
esta atribuição passou a ser dos geradores, do setor produtivo –
fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes – que deverá
investir na estruturação e operação de toda a cadeia da recuperação dos
resíduos secos.
IHU On-Line – Como os estados e
municípios têm se organizado no sentido de elaborar planos de ação para
garantir o destino correto do lixo? Já é possível perceber algum
movimento nesse sentido?
Elisabeth Grimberg – Sabe-se
que têm municípios elaborando seus Planos Municipais de Gestão
Integrada de Resíduos Sólidos – PMGIRS, mas quantos são e em que
estágios estão, não se sabe.
IHU On-Line – Quantos mil catadores estão integrados ao sistema de recuperação dos resíduos?
Elisabeth Grimberg – Segundo
pesquisa do IPEA, hoje são em torno de 40.000 a 60.000 catadores,
organizados em 1.100 cooperativas ou associações no país.
IHU On-Line – A logística reversa já está sendo aplicada?
Elisabeth Grimberg – A
logística reversa está sendo aplicada parcialmente para coleta de alguns
produtos pós-consumo, mas não de forma a abranger a totalidade dos
resíduos gerados, tais como pneus, pilhas, baterias, que já eram alvo de
resoluções Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Outros resíduos
que foram introduzidos como de responsabilidade dos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes ainda não foram devidamente
contemplados, tais como eletroeletrônicos, lâmpadas fluorescentes, mas
principalmente os resíduos secos domiciliares – papel/papelão, vidro,
metal e plástico não estão sendo contemplados por sistema de logística
reserva.
IHU On-Line – Como estão os acordos nesse sentido entre o poder público e o setor privado?
Elisabeth Grimberg – Houve
assinatura de termos de compromisso entre a Secretaria de Meio Ambiente
do Estado de São Paulo e quatro setores da indústria – fabricantes de
óleos lubrificantes, de embalagens de agrotóxicos, de pilhas e baterias
portáteis (estes já têm ações há mais de 10 anos) e de produtos de
higiene pessoal, perfumaria, cosméticos, de materiais de limpeza e afins
(estes não tinham nenhuma iniciativa antes) para estabelecimento de
logística reversa. Mas o desafio é muito maior, porque está em questão o
setor empresarial viabilizar a coleta seletiva, triagem e garantia de
escoamento de 30% de todo o resíduo seco gerado em 5.565 municípios
brasileiros. A responsabilização do setor empresarial, considerado na
lei como poluidor-pagador, pode se dar por meio do custeio desta
atividade contratando, por exemplo, diretamente cooperativas de
catadores para operarem as etapas de coleta, triagem e
pré-beneficiamento dos materiais recicláveis. Podem também repassar os
recursos para que as prefeituras coordenem estes serviços e, nesse
sentido, também a proposta é que contratem as cooperativas para os
executarem.
Certamente, o setor produtivo,
especialmente as grandes multinacionais, que têm acúmulos com a operação
de logística reversa nos países europeus, saberá como adaptar estas
experiências à realidade brasileira. Além disso, temos no país uma
extensa rede de atores que têm vivências significativas e que poderá ser
chamada para pensar e desenhar junto como implantar este sistema e
orientar os municípios nas diversas alternativas para melhor implementar
a PNRS: Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis –
MNCR, 994 prefeituras que têm programas de coleta seletiva, inúmeras
ONGs que têm colaborado na implantação de programas de coleta seletiva
com integração de catadores. Também instituições de pesquisa, como IPEA,
já produziram uma série de análises que podem subsidiar tanto o setor
empresarial como o setor público na estruturação de soluções ambientais,
sociais e econômicas sustentáveis.
IHU On-Line – Quais as implicações do processo de incineração dos resíduos?
Elisabeth Grimberg – A
incineração tem impactos nocivos à saúde humana, ao meio ambiente (os
poluentes são biocumulativos), gera desperdício ao não garantir o
alargamento da vida útil dos resíduos passíveis de reciclagem, gera
menos postos de trabalho (a incineração de dez mil toneladas de resíduos
por ano gera um posto de trabalho, ao passo que sua recuperação pode
gerar 647 postos de trabalho), e praticamente desconsidera a presença e
contribuição dos catadores na cadeia do reaproveitamento.
Os custos também são exorbitantes e
deixam dívidas para gestões posteriores a que a implanta. Além disso, ao
se queimar desconsidera-se a alternativa de aproveitamento de 90 a 95%
dos resíduos para finalidades ambientalmente saudáveis e duráveis:
compostagem e reciclagem. Os aterros sanitários podem ser utilizados de
forma consorciada por um conjunto de municípios que estariam destinando
apenas 5 a 10% dos seus resíduos para estes locais, ou seja, o rejeito.
Com isso aterros teriam longa vida útil.
IHU On-Line – Como dar conta do
lixo produzido numa época em que a obsolescência tecnológica e o consumo
de produtos embalados imperam e, obviamente, se descartam mais papel,
plástico e embalagens de modo geral?
Elisabeth Grimberg – A
lei ao responsabilizar fabricantes, importadores, distribuidores e
comerciantes deverá levar a médio e longo prazo a uma revisão e
reprogramação do padrão de produção, pois o excesso de embalagens terá
custos no pós-consumo e isso deverá ser um estímulo para a reprogramação
de produtos e embalagens. Também produtos tais como eletroeletrônicos
(computadores, telefones etc.), eletrodomésticos, entre outros, poderão
ter estruturas duráveis e serem recondicionáveis de tal forma que possam
ser substituídos por mecanismos/motores ecoeficientes, o que reduzirá a
geração de resíduos. Caberá à sociedade pressionar por uma legislação
que exija mudanças no padrão de produção industrial na direção contrária
à obsolescência programada e também ações cidadãs no sentido da recusa
ao consumo de bens com este perfil. As redes sociais são potentes e
poderão cumprir este papel de conscientizar e mobilizar a sociedade para
que atue sobre fabricantes e o Estado.
IHU On-Line – Que aspectos da Política são mais difíceis de serem implantados?
Elisabeth Grimberg – Não
creio que haja aspectos difíceis de serem implantados; já existem
acúmulos, instrumentos, expertises para se implantar a PNRS de forma
plena.
Até amanhã, amig@s!
Fonte: IHU Online