Uma série de fotos feitas pela fotógrafa paulistana Rosa Gauditano mostra a 
luta pela sobrevivência de índios Guarani-Kaiowá na beira das estradas de Mato 
Grosso do Sul.
Guerreiro Guarani Kaiowá recebe representantes da Secretaria de Direitos 
Humanos da Presidência da República, no antigo acampamento Laranjeira, na BR 
163. O grupo ainda vive em situação provisória, aguardando que a Funai 
identifique formalmente sua terra. Foto: Rosa Gauditano/Studio R
Há hoje mais de 30 acampamentos indígenas nas rodovias do Estado, habitados, 
em grande parte, por Kaiowás.
"Fazem isso por desespero, mas também como uma forma de protesto", disse a 
fotógrafa.
"Eu fotografo povos indígenas há 20 anos e nunca havia visto situação de 
penúria tão grande. O que está acontecendo no Brasil é um genocídio 
silencioso".
"Em algum momento, os índios, os fazendeiros, o governo e a sociedade 
brasileira como um todo terão de chegar a um consenso e resolver a situação 
desse povo. São 43 mil pessoas que precisam de sua terra para viver com 
dignidade".
"E se a solução é indenizar os fazendeiros que geram riqueza para o Brasil e 
que adquiriram a terra por meios legais, que seja".
Nas imagens, feitas ao longo dos últimos três anos, o povo da segunda maior 
etnia indígena brasileira também é visto acampado provisoriamente em fazendas 
onde há disputa pela propriedade da terra ou vivendo em reservas demarcadas - às 
vezes, à custa de sangue derramado.
Gauditano começou a fotografar povos indígenas no Brasil em 1991. Desde 
então, vem documentando a cultura de diversas etnias indígenas, publicando 
livros e realizando exposições sobre o tema, no Brasil e no exterior (ela expôs 
seu trabalho no centro cultural South Bank, em Londres, Grã-Bretanha, em 
2010).
Ao lado de representantes da etnia Xavante, Gauditano é também co-fundadora 
da ONG Nossa Tribo, que tenta ampliar a comunicação entre povos indígenas e o 
resto da população.
Suicídios
Segundo dados do último censo, há hoje 896,9 mil índios no Brasil. Os cerca 
de 43 mil Kaiowás são naturais da região onde hoje ficam o Estado de Mato Grosso 
do Sul e o Paraguai.
Em outubro, o caso de uma comunidade dessa tribo, acampada na fazenda 
Cambará, no município de Iguatemi, MS, causou comoção no Brasil.
Após uma ordem de despejo emitida pela Justiça Federal, os 170 índios do 
acampamento, em um local conhecido como Pyelito Kue, escreveram uma carta que 
dizia: "Pedimos ao Governo e à Justiça Federal para não decretar a ordem de 
despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para 
enterrar nós todos aqui".
A carta, divulgada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi 
interpretada como uma ameaça de suicídio coletivo. Ela circulou pelas redes 
sociais e deu origem a uma grande campanha em defesa dos índios, com protestos 
em vários pontos do país.
Como resultado, um tribunal decidiu pela permanência dos índios no local. Mas 
a situação do grupo ainda não está regularizada.
Em entrevista à BBC Brasil, Rosa Gauditano explicou por que a carta da 
comunidade de Pyelito Kue foi interpretada como uma ameaça de suicídio.
"Isso foi mal interpretado, por causa do histórico de mortes por suicídio 
entre os Kaiowás", explicou. "Não disseram que iam fazer um suicídio coletivo. A 
intenção era dizer ao governo federal que dali só sairiam mortos".
O índice de suicídios entre os Kaiowás começou a crescer a partir da década 
de 80, quando mais e mais fazendeiros passaram a adquirir terras na região do 
Mato Grosso do Sul, ou receberam concessões de terras do governo. Desde então, a 
região se dedica à produção intensiva de soja, milho, cana de açúcar e gado.
Removidos da terra, os Guaranis-Kaiowás – que ocupavam tradicionalmente a 
vasta região - começaram a ser levados para reservas demarcadas pelas 
autoridades.
"Essas reservas hoje têm uma população muito grande e as pessoas não 
conseguem viver ali do modo tradicional, não conseguem plantar ou caçar", disse 
a fotógrafa.
Segundo o antropólogo do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São 
Paulo Spensy Pimentel, que estuda a etnia Guarani-Kaiowá e trabalha com 
Gauditano, há 42 mil hectares de terras demarcadas pelo governo no Estado. 
"Essas são as áreas efetivamente disponíveis", disse Pimentel à BBC Brasil. "Há 
mais uns 50 mil hectares demarcados, mas tudo embargado pela Justiça".
À primeira vista, o território disponível parece grande. Mas se fosse 
dividido entre a população Kaiowá, cada índio receberia pouco menos do que um 
hectare de terra – 10.000 m2 (100m x 100m). Ali, ele teria de viver e dali tirar 
seu sustento - algo impossível para qualquer agricultor.
Pimentel lembrou, no entanto, que esse tipo de cálculo usa critérios que não 
se aplicam à cultura indígena. "A Constituição brasileira assegura aos índios o 
direito às suas terras tradicionalmente ocupadas segundo seus próprios 
critérios".
Espremidos em reservas superpovoadas, os índios vivem sob estresse físico e 
mental. O alcoolismo e o uso de drogas são comuns.
Segundo o Ministério da Saúde, de 2000 a 2011 houve 555 suicídios de índios, 
a maioria Guaranis-Kaiowás. E o Estado de Mato Grosso do Sul é o campeão em 
número de suicídios no Brasil.
Esse comportamento não é parte da "tradição" da etnia, explicou o 
antropólogo.
"Os indígenas mais velhos são unânimes em afirmar que, por mais que possam 
entender a decisão de uma pessoa que toma essa opção, eles não viram mais que um 
ou dois casos de suicídios antes dos anos 80", disse. "Nesse sentido, os 
suicídios não podem ser vistos fora do contexto do confinamento dos 
Guarani-Kaiowá que foi produzido pelo Estado brasileiro. Foi dentro das reservas 
superlotadas e diante da falta de perspectiva de vida para os jovens que os 
suicídios se transformaram em uma epidemia".
Beira de Estrada
Outra resposta para essa situação de estresse intolerável - explicou 
Gauditano - foi abandonar as reservas e ir para a estrada.
Fotógrafa experiente, Gauditano se confessou chocada ao se deparar com os 
acampamentos nas estradas que cercam a cidade de Dourados, um dos polos 
econômicos do Estado de Mato Grosso do Sul.
"As famílias vão para as estradas, fazem acampamentos em um espaço de 30 m 
que fica entre a cerca da fazenda e a beira da estrada. Ficam vivendo ali 
durante anos. Às vezes, se mudam de um ponto para outro se são pressionados. Não 
têm água potável nem banheiro, não podem fazer uma roça, não têm comida, escola, 
nada. E fazem as casas com plástico preto. A temperatura dentro dessas cabanas 
chega a 50 graus durante o dia, não dá pra ficar ali dentro".
"Crianças, velhos, famílias inteiras ficam acampadas na beira da estrada. É 
um desespero. E há muitos atropelamentos, porque aquilo é um corredor de 
auto-estrada, onde passam ônibus, caminhões, carros".
Uma das fotos mostra a situação dentro de uma cabana à beira da estrada. 
Quando chove, a água alaga as cabanas, explicou a fotógrafa.
"Uma vez, choveu muito e eles passaram quatro meses com 50 cm de água dentro 
das cabanas".
"O que você vê na foto é barro. A cama está suspensa porque tem barro dentro 
da cabana, então eles puseram pedras para poderem andar ali dentro. Se você pisa 
entre as pedras, seu pé afunda".
"É como um lodo, tem até um sapo ali. Eu fiz a foto e na hora não vi, porque 
não tinha janela".
Violência
A fotógrafa disse ter ficado marcada pelo olhar dos índios.
"O olhar. As pessoas têm um olhar tão triste que você fica incomodado. 
Bebezinhos, crianças e velhos te olham e parece que estão olhando para o 
nada."
O que as fotos de Gauditano não mostram, no entanto, é a violência que 
permeia as vidas do povo Guarani-Kaiowá.
"Gerações de líderes são assassinadas e você não acha os corpos. Há uma 
violência latente, muito grande, por baixo do pano."
Esperança
Em meio ao sofrimento que observou em suas expedições ao MS para fotografar 
os Guaranis-Kaiowás, Gauditano disse também ter encontrado serenidade e 
leveza.
Na aldeia Guaiviry, no município de Aral Moreira, a fotógrafa registrou 
imagens de crianças que cantavam e dançavam.
"A cena me passa esperança. O que segura o povo indígena é sua história, sua 
língua, sua religião e seus rituais", disse. "E criança sempre tem um bom 
astral. Sentem a barra pesada, mas estão sempre brincando e pulando".
O ano passado deve ter sido traumático para as crianças de Guaiviry. O 
cacique da tribo, Nísio Gomes, foi assassinado em novembro de 2011.
A terra da comunidade foi demarcada, mas a demarcação foi contestada e o caso 
está sendo julgado pela Justiça.
Em outra cena de aparente tranquilidade, uma Guarani-Kaiowá é vista rodeada 
de porquinhos.
Mas a relativa paz e contentamento em que vivem a índia e sua família, em uma 
pequena reserva demarcada - a aldeia de Piracuá, no município de Bela Vista -, 
tiveram um custo alto. Em 1983, um líder indígena que vivia na região, Marçal de 
Souza, também foi assassinado.
"Hoje, as famílias vivem bem ali, com sua terra, podendo fazer pequenas 
plantações de subsistência. Tem escola, assistência do governo, uma mata 
nativa", explicou Gauditano.
‘Comunicação é Poder’
Mas se por um lado os Kaiowás anseiam por viver em paz em seus territórios – 
e eles entendem que as reservas ocuparão apenas uma parte da terra que um dia 
foi deles -, a comunidade também abraça a modernidade, disse Gauditano.
"A tecnologia é muito importante para os índios hoje, principalmente o video, 
os celulares e a internet".
Segundo a fotógrafa, esses recursos permitem a comunicação não apenas dentro 
das próprias comunidades, mas entre as comunidades e o mundo lá fora.
"A tecnologia e as mídias sociais tiveram um papel fundamental na divulgação 
do drama dos Kaiowás despejados da aldeia em Pyelito Kue."
"Nunca vi uma mobilização tão grande da população brasileira em defesa de uma 
comunidade indígena como a que aconteceu em outubro", disse Gauditano.
"Isso me fez perceber o potencial imenso de mídias sociais, como o Facebook, 
para a causa indígena. Realmente, comunicação é poder!".
Um dos acampamentos fotografados por Rosa Gauditano, o Laranjeira, ficava 
na BR 163, nas imediações de Dourados, MS. Desde que as fotos foram feitas – em 
2010 - os índios conseguiram as terras que reivindicavam, no município de Rio 
Brilhante. Entraram nas terras, mas ainda vivem em situação provisória, 
aguardando que a Fundação Nacional do Índio (Funai) identifique formalmente as 
terras – processo burocrático demorado, feito com base em pareceres de 
antropólogos.
Fonte: BBC Brasil

 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário