A água é o recurso natural mais abundante do planeta. De maneira quase onipresente, ela está no dia a dia dos 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta. Além de matar a sede, a água está nos alimentos, nas roupas, nos carros e na revista que está nas suas mãos — se você está lendo a reportagem em seu tablet, saiba também que muita água foi usada na fabricação do aparelho.
Mas o recurso mais fundamental para a sobrevivência dos seres humanos enfrenta uma crise de abastecimento. Estima-se que cerca de 40% da população global viva hoje sob a situação de estresse hídrico. Essas pessoas habitam regiões onde a oferta anual é inferior a 1 700 metros cúbicos de água por habitante, limite mínimo considerado seguro pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse caso, a falta de água é frequente — e, para piorar, a perspectiva para o futuro é de maior escassez. De acordo com estimativas do Instituto Internacional de Pesquisa de Política Alimentar, com sede em Washington, até 2050 um total de 4,8 bilhões de pessoas estará em situação de estresse hídrico. Além de problemas para o consumo humano, esse cenário, caso se confirme, colocará em xeque safras agrícolas e a produção industrial, uma vez que a água e o crescimento econômico caminham juntos. A seca que atingiu os Estados Unidos no último verão — a mais severa e mais longa dos últimos 25 anos — é uma espécie de prévia disso. A falta de chuvas engoliu 0,2 ponto do crescimento da economia americana no segundo trimestre deste ano.
A diminuição da água no mundo é constante e, muitas vezes, silenciosa. Seus ruídos tendem a ser percebidos apenas quando é tarde para agir. Das dez bacias hidrográficas mais densa- mente povoadas do mundo, grupo que compreende os arredores de rios como o indiano Ganges e o chinês Yang-tsé, cinco já são exploradas acima dos níveis considerados sustentáveis. Se nada mudar nas próximas décadas, cerca de 45% de toda a riqueza global será produzida em regiões sujeitas ao estresse hídrico. “Esse cenário terá impacto nas decisões de investimento e nos custos operacionais das empresas, afetando a competitividade das regiões”, afirma um estudo da Veolia, empresa francesa de soluções ambientais.
Em muitos países em desenvolvimento e pobres, a situação é mais dramática. Falta acesso a água potável e saneamento para a esmagadora maioria dos cidadãos. Só o tempo perdido por uma pessoa para conseguir água de mínima qualidade pode chegar a 2 horas por dia em várias partes da África. Pela maior suscetibilidade a doenças, como a diarreia, quem vive nessas condições costuma ser menos produtivo. Essas mazelas já são assustadoras do ponto de vista social, mas elas têm implicações igualmente graves para a economia. Um estudo desenvolvido na escola de negócios Cass Business School, ligada à City University, de Londres, indica que um aumento de 10% no número de pessoas com acesso a água potável nos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) conseguiria elevar o crescimento do PIB per capita do bloco cerca de 1,6% ao ano. “O avanço econômico depende da disponibilidade de níveis elevados de água potável”, aponta Josephine Fodgen, autora da pesquisa. “Embora não se debata muito o tema, o mundo pode sofrer uma crise de crescimento provocada pela escassez de água nas próximas décadas.”
MAIS RENDA LÍQUIDA
Desde a década de 90, a extração de água para consumo nos centros urbanos do Brasil aumentou 25%, percentual que é o dobro do avanço do PIB per capita dos brasileiros no mesmo período. Quanto maior é a renda de uma pessoa, mais ela tende a consumir e maior é seu gasto de água. Isso é o que se convencionou chamar de pegada hídrica, a medida da quantidade de água utilizada na fabricação de tudo o que a humanidade consome — de alimentos a roupas. O conceito e os cálculos desenvolvidos na Universidade de Twente, na Holanda, permitem visualizar em números o impacto até mesmo da mudança da dieta dos povos que enriqueceram rapidamente. “Uma enorme quantidade de água é gasta hoje para que o mundo consuma mais carne”, explica Ruth Mathews, diretora executiva da Water Footprint Network, rede de pesquisadores que estudam o tema. Hoje, cada chinês gasta o equivalente a 1 070 metros cúbicos de água por ano. É quatro vezes mais do que nos anos 60, e grande parte desse crescimento é atribuída à maior ingestão de aves e diferentes tipos de carne no país. Até poucos anos atrás, era tão improvável que um chinês tivesse um bife no prato que a iguaria costumava ser chamada de “carne dos milionários”. Atualmente, cada chinês consome mais de 4 quilos de carne bovina por ano — e, do pasto até o açougue, cada quilo de bife demanda 15 000 litros de água.
Desde a década de 90, a extração de água para consumo nos centros urbanos do Brasil aumentou 25%, percentual que é o dobro do avanço do PIB per capita dos brasileiros no mesmo período. Quanto maior é a renda de uma pessoa, mais ela tende a consumir e maior é seu gasto de água. Isso é o que se convencionou chamar de pegada hídrica, a medida da quantidade de água utilizada na fabricação de tudo o que a humanidade consome — de alimentos a roupas. O conceito e os cálculos desenvolvidos na Universidade de Twente, na Holanda, permitem visualizar em números o impacto até mesmo da mudança da dieta dos povos que enriqueceram rapidamente. “Uma enorme quantidade de água é gasta hoje para que o mundo consuma mais carne”, explica Ruth Mathews, diretora executiva da Water Footprint Network, rede de pesquisadores que estudam o tema. Hoje, cada chinês gasta o equivalente a 1 070 metros cúbicos de água por ano. É quatro vezes mais do que nos anos 60, e grande parte desse crescimento é atribuída à maior ingestão de aves e diferentes tipos de carne no país. Até poucos anos atrás, era tão improvável que um chinês tivesse um bife no prato que a iguaria costumava ser chamada de “carne dos milionários”. Atualmente, cada chinês consome mais de 4 quilos de carne bovina por ano — e, do pasto até o açougue, cada quilo de bife demanda 15 000 litros de água.
No total, o Brasil consome 356 bilhões de metros cúbicos por ano — é o quarto maior consumo do mundo, perdendo para a China, a Índia e os Estados Unidos. Estamos tão acostumados com a fartura de recursos que talvez nada disso assuste. Cerca de 12% da água doce do mundo percorre o território brasileiro, onde vivem menos de 3% dos seres humanos. Entre os membros do G20, grupo das 20 maiores economias, o país só perde para o Canadá em disponibilidade de água per capita. Temos 42 000 metros cúbicos anuais por habitante, um luxo para poucos. Boa parte da água do Brasil, porém, está concentrada nas regiões mais remotas e menos habitadas. Nove estados do país já ultrapassaram ou estão no limiar do estresse hídrico. Nessa conta, além dos tradicionais estados áridos do Nordeste, entram os mais urbanizados e desenvolvidos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. “A situação dos lugares onde ficam as capitais mais populosas inspira cuidado, pede planejamento e exige ação”, diz Paulo Varella, diretor da Agência Nacional de Águas. A cidade de São Paulo e sua região metropolitana, com uma população que se aproxima dos 20 milhões, são consideradas áreas propensas a enfrentar problemas de falta de água no futuro. Embora haja bacias de rios no entorno da capital, a água disponível é de péssima qualidade em razão, entre outros motivos, da quantidade de gente que vive — e produz esgoto — na região. “Não dá mais para depender da bacia do Alto Tietê. A situação dela é crítica”, afirma Edson Giriboni, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do estado de São Paulo. A saída é buscar água cada vez mais longe.
Está previsto para novembro o início do processo de concorrência de uma parceria público-privada que vai trazer água da bacia do rio Ribeira de Iguape, na divisa com o Paraná, para a capital paulista. O investimento chegará a 1,6 bilhão de reais. Um extenso estudo que está sendo conduzido pela secretaria paulista avalia outras nove opções de captação de água. Entre as alternativas em avaliação está trazer água da bacia do rio Paraíba do Sul, que fica na divisa com o Rio de Janeiro. Quando essa possibilidade foi ventilada pela primeira vez, em 2008, alarmou a população fluminense. Dessa bacia sai a água que abastece a casa de 12 milhões de moradores da cidade do Rio de Janeiro e sua região metropolitana. O temor é que não haja volume suficiente para abastecer duas das localidades mais densamente povoadas do Brasil. Até agora nada foi definido entre os governos de São Paulo e Rio de Janeiro. As disputas entre estados de um mesmo país costumam ser resolvidas em seus respectivos Congressos ou pelos Poderes Executivos. A situação pode ficar bem mais complicada quando envolve dois ou mais países. É por isso que a animosidade entre vizinhos que disputam a mesma água é acompanhada de perto pela Organização das Nações Unidas. “As implicações políticas que a falta de segurança hídrica pode despertar nos preocupam”, diz Zafar Adeel, diretor do Instituto para Água, Meio Ambiente e Saúde da Universidade das Nações Unidas. Um relatório recente patrocinado pelo Departamento de Estado americano alerta para o fato de que problemas relacionados à água têm potencial para ampliar a instabilidade em diversos países, do norte da África ao Oriente Médio. Essa é a realidade num cenário de escassez crescente. Parece filme de ficção, no estilo apocalíptico. Mas, infelizmente, trata-se de um perigo próximo e real.
Fonte: Guia Exame Sustentabilidade
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